quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

JOÃO BASTOS (1883-1957)


"Iniciou-se ele nas lides teatrais quando estudante da Escola Politécnica, onde fazia os preparatórios para o curso de medicina. Num final de época, de parceria com Xavier da Silva (mais tarde médico e Ministro da Educação), escreveu a revista "Pl'a Tangente", alegre peça de crítica académica, plena de boa observação do mundo, de sadio humorismo, que fez escola e teve uma êxito sensacional. Nessa estreia revelou o jovem escritor a sua grande faculdade criadora, a sua espontânea graça e espantosa facilidade no manejo de trocadilhos de fino espírito, que, praticamente, traçaram o caminho do futuro.
Abandonado o projectado curso de medicina (por dificuldades económicas, consequentes do inesperado falecimento de seu Pai) e então já funcionário bancário, o jovem escritor foi arrastado pelo seu grande entusiasmo pelo teatro. Ainda de parceria com o seu condiscípulo e amigo Xavier da Silva, escreveu a sua primeira comédia "O Olho da Providência" que foi representada, com grande êxito, no Teatro Ginásio.
Animado pelo sucesso, escreveu depois, sozinho, as seguintes comédias: "O Dr. Zebedeu" - "O Trinca Espinhas" - "Coelho & Leitão", "Valente Balbino" e "Fura Bolos". Já, então, disputado por empresários e artistas, arrastado pelo triunfo e servido pela sua espantosa facilidade de efabulação e pela espontaneidade da sua graça incomparável, escreveu, sozinho, as seguintes revistas: "Sem Rei nem Roque" - "Peço a Palavra" - "O Arco da Velha" e "Ponha-lhe Papas".
De parceria com Bento Faria, escreveu a célebre opereta "O Fado" (musicada por Filipe Duarte), popularíssima e de grande sucesso, que esteve muitos meses em cena e foi, mais tarde, várias vezes reposta. Uma publicação da época disse que este famoso e popular autor "chegou viu e venceu".
Por essa época, de plena juventude, durante a qual demonstrou a sua enorme capacidade criadora, foi convidado para fundar a "Parceria Rodrigues-Bermudes-Bastos", que rapidamente se tornou célebre no teatro português e cujas obras passaram a ser disputadas pelos empresários, ávidos de bom teatro e de receitas compensadoras. Da colaboração dos "Três Grandes" nasceram obras que honram o teatro português e tiveram, na sua raíz, o espírito mordaz, crítico e observador do grande mestre Gil Vicente. Uma das primeiras peças triunfantes da "Grande Parceria" foi a fantasia "O Sonho Dourado", que foi posta em cena no Teatro Apolo, com extraordinário êxito. Vieram, depois, as célebres revistas: "De Capote e Lenço", que esteve muitos meses em cena no Teatro República (hoje São Luís), recheada de espirituosos números de crítica política. Esta revista foi desempenhada por um famoso elenco composto, entre outros, pelos artistas: Joaquim Costa, Nascimento Fernandes, Jorge Roldão, Auzenda de Oliveira, etc.. Pouco depois "A Maré de Rosas", que esteve em cena no Teatro Avenida, com grande êxito, e, mais tarde, "O Diabo a Quatro", em cena no Eden Teatro, na qual se revelou o grande actor Estêvão Amarante. Em seguida a famosa revista "O NOVO MUNDO", que esteve em cena no mesmo Éden Teatro, durante quase todo o ano de 1916. Essa grandiosa revista dispunha dum grande elenco, composto, entre outros, pelos artistas Rafael Marques, Estêvão Amarante, António Gomes, Amélia Pereira, Julieta Soares, Emília de Oliveira, Luiza Durão, etc.. Tornou-se, então, popularíssimo o célebre "Fado do Ganga", primorosamente desempenhado pelo grande actor Estêvão Amarante, recheado de espirituosas piadas políticas, que todas as noites o público fazia bisar e aplaudia com entusiasmo. Em 1917 foi posta em cena no Teatro Apolo outra famosa revista, "A Torre de Babel", que esteve em cena durante muito tempo e na qual se estreou como empresário o grande Estêvão Amarante. No desempenho da mesma logrou fartos triunfos, além daquele, o grande actor Joaquim Costa. Em 1918, veio a "Salada Russa", posta em cena no Teatro Politeama, brilhantemente desempenhada pela jovem companhia Satanela-Amarante. Em 1919, após a liquidação da revolução monárquica do Porto, foi à cena, no Éden Teatro, a revista "Traulitania", de crítica alegre e mordaz à agitada época política que se vivera meses antes. Mais tarde foi posta em cena, desempenhada por um óptimo elenco, composto, entre outros, pelos artistas Aldina de Sousa (malograda e saudosa actriz cantora), Beatriz Costa, Hortense Luz, Álvaro Pereira, etc.. Para a Companhia de Revista "Eva Stachino", escreveram a bonita revista "Meia Noite", que esteve em cena, com grande êxito, no antigo Teatro Foz. Os libretos destas famosas revistas - musicadas por maestros que se tornaram popularíssimos - tiveram por base a graça castiçamente portuguesa, as espirituosas críticas dos costumes e as oportunas piadas políticas, revelando um agudo espírito de observação e totalmente isentas da vulgar e condenável pornografia.




Através daquelas famosas peças, os fecundos autores proporcionaram ao povo português horas inesquecíveis de esfusiante alegria, de óptima disposição e magnífica paz d'espírito. Quase simultaneamente, a célebre "Parceria" (na qual se destacava a "verve" irrequieta, a graça permanente e os oportunos trocadilhos de João Bastos) abordou, com a mesma facilidade, o difícil género da opereta, que teve na Europa e nessa época a sua grande voga e desapareceu dos nossos palcos submersa pelas grandes e faustosas realizações do cinema. Nesse difícil género, a célebre "Parceria" foi inexcedível. São de citar, entre outras, as célebres operetas "SUSI" (adaptação), que esteve em cena no Teatro da Trindade, tendo como principal interprete Auzenda de Oliveira, e os originais: "Miss J.P.C.", posta em cena no Teatro São Luiz (grande sucesso da Companhia Auzenda de Oliveira-Armando de Vasconcelos) e as que foram especialmente escritas para a Companhia Satanela-Amarante e posta em cena no Teatro Avenida: "O João Ratão" (brilhantemente desempenhada por Estêvão Amarante e mais tarde adaptada ao cinema) - "A Pérola Negra" - "O Poço do Bispo" - "O Ás do Foot-Ball" e o "Pão de Ló", outro êxito de Estêvão Amarante. Por essa época, a "Grande Parceria" também escreveu e fez representar uma fantasia mágica "O Bolo Rei", que teve um enorme êxito.
Quando a invasão de alguns jovens amadores tornou as revistas vulgares, por muito repetidas, a "Grande Parceria", cujas obras continuavam sendo muito disputadas, derivou para o difícil género da comédia alegre, de complexa efabulação, que popularizou o teatro francês, e muito do gosto popular. A pedido do grande comediante Chaby Pinheiro, especialmente escritas para aproveitamento dos grandes recursos do magnífico "diseur" e das suas extraordinárias faculdades histriónicas, naquela época dourada o famoso "Trio" brindou a cena portuguesa com comédias que tiveram êxito clamorosos e entre as quais se destacam: "O Amigo de Peniche" - "O Conde Barão" (famosa sátira dos burgueses novos-ricos, desempenhada por Chaby, Jesuína, Satanela, Amarante, etc., que durante muios meses esgotou a grande lotação do Teatro Politeama e mais tarde foi várias vezes reposta) e o famoso "O Leão da Estrela", outro grande sucesso de cena, também várias vezes reposta e mais tarde aproveitada para um bom filme, carinhosamente acolhido pelo público. É axiomático que só através de peças bem efabuladas e inteligentemente dialogadas podem brilhar os recursos dos grandes artistas. E Chaby Pinheiro, que estava bem certo desta insofismável verdade (pois já tinha sofrido fortes insucessos...), buscava no apoio da "Famosa Parceria" a obra conscienciosa e segura, da qual ele sacava o máximo proveito e através da qual podia evidenciar os seus inemitáveis recursos.
Em 1929/30, depois de muito solicitada, a "Parceria" entregou à Companhia dos Comediantes Reunidos (Adelina Abranches, Aura Abranches, Maria Matos, Maria Helena, Grijó, Raul de Carvalho, Sacramento, etc.) a famosa comédia (adaptação) "O Domador de Sogras", brilhantemente posta em cena por aquela Companhia, no Teatro Politeama, que constituíu um sucesso ruidoso e esteve em cena durante toda uma época, salvando da falência iminente um grupo de empresários.
Liquidada a Parceria (por falecimento de Ernesto Rodrigues), João Bastos, um dos fundadores da Sociedade de Autores e Compositores, servido pela sua grande experiência, facilidade criadora e excepcional faculdade de trabalho, voltou a escrever sozinho. Para a Companhia Maria Matos-Mendonça de Carvalho, escreveu então as célebres e populares comédias "O Noivo das Caldas" (desempenhada por Maria Matos, Joaquim Almada, Mendonça de Carvalho, etc.), "O Costa do Castelo" (outro grande êxito, desempenhada por Maria Matos, Maria Helena, João Silva, Joaquim Pratas, etc., mais tarde adaptada ao cinema, com grande sucesso) e o "Pátio dos Milagres". Todas postas em cena no Teatro Avenida, em todas elas a grande e saudosa comediante Maria Matos teve desempenhos magistrais. Mais tarde, no Teatro Variedades, foi posta em cena, com grande êxito, a alegre comédia "Quem Manda São Elas", desempenhada por Maria Matos, Vasco Santana, António Silva, etc..
Para a Companhia Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, escreveu ele, também sozinho, a bonita revista "Nobre Povo", que esteve em cena no Teatro do Palácio de Cristal, no Porto, durante toda a Exposição Colonial, que ali se realizou. Escreveu diálogos e versos para diversos filmes, tais como: "Varanda dos Rouxinóis" - "Três Dias no Paraíso", etc. Em 1942, escreveu a fantasia "A Lenda dos Sete Cravos", que foi à cena no Teatro da Trindade e lançou no meio teatral o jovem tenor Luis Piçarra.
É pertinente notar um facto notável e único: João Bastos foi, até hoje, o único autor teatral português que, em dada época, teve, durante muitos meses, o seu nome de autor triunfante, ao mesmo tempo, em cartazes de cinco teatros!
Apesar de muito incompleta, vai longa a lista das obras escritas e representadas, elaboradas a sós ou de colaboração, pelo prolífero e saudoso escritor teatral. A sua graça oportuna - bem portuguesa - e a pureza dos seus versos admiráveis, ficaram bem patentes através das suas peças musicadas e das muitas gazetilhas que escreveu para os grandes jornais "O Século" e o "Diário de Notícias".
Ainda hoje, os saudosistas do bom teatro e da "bela época", evocam as lindas "Melodias de Sempre", que deliciaram gerações e que, de ora em quando, a Televisão faz recordar. Grande número delas pertencem às famosas peças da "Grande Parceria" que popularizaram grandes actores e actrizes. Estêvão Amarante tornou-se famosos e popular no desempenho de rábulas cheias de espírito, escritas pelo famoso grupo. Entre outras, são de citar: "O Fado do Ganga" (Novo Mundo) - "O Fado do Polícia" (Torre de Babel) e "O João Ratão" (da opereta do mesmo nome) - "O Fredy" (Pérola Negra) - "O Cinco d'Algés" (Salada Russa), etc., etc.
Manuel Maria Pimentel Bastos
 

 



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