quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sala de Espera


As associações culturais de teatro amador, Blábláblá (de Campo Maior) e Theatron (de Montemor-o-Novo), apresentam, no dia 23 de Junho de 2012, no Teatro Trindade, em Lisboa, o espéctaculo "Sala de Espera", promovido e financiado pelo INATEL.

O texto "Sala de Espera", de ...Mário Abel Lopes, foi contemplado, no dia 5 de Janeiro de 2012, num concurso do INATEL, denominado Teatro Novos Textos, com o prémio Miguel Rovisco. Este concurso tem como intuito estimular novos autores para a escrita de textos originais em língua portuguesa, promovendo e divulgando novos valores literários na área do teatro.

Produção: Todinha Santos e Carla Pomares
Cenografia: Mimi Santos, Graça Pires e Maria Antónia Bicho
Música: João Bastos
Designer Gráfico: Rafael Flores
Técnico de Luz: António Costa
Encenador: Hugo Sovelas
Actores: Bernadino Samina, Rosa Souto Armas, Sofia Nanita, Soraia Silva, João Azinhais, Joel Moriano, Paulo Quedas e Bernardo Xavier

A Virgem doida






A VIRGEM DOIDA de Rimbaud
um espectáculo de Mónica Calle | fotografia: Bruno Simão

31 Mai a 10 Jun | todos os dias, sessões contínuas das 21h até à 1h | info: 912818164 e 967580171 (sem reservas) | bilhete: €10
sobre o espectáculo “A Virgem Doida” de Amadeu Neves, Fátima Cecílio e Mónica Calle em 1992

outras fotos: http://casaconveniente.tumblr.com/
— com Mónica Calle em Casa Conveniente, Cais do Sodré.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Coisas de Homem no Teatro da Trindade



  • Cartaz da autoria de Rui Filipe Lopes.


    A Tenda Produções apresenta de Kroetz, o mais aclamado e controverso dramaturgo contemporâneo, COISAS DE HOMEM, pela 1ª vez em Portugal, um espectáculo crú e acutilante. ... SINOPSE Texto cruel e comovente deste dramaturgo alemão, cuja obra nos remete para as mais inquietantes texturas sociais e políticas contemporân...eas. Dentre cutelos, álcool, um cão e um amante esquipático, Martha, talhante de profissão, mulher de meia-idade e sem encantos, persiste numa relação em que o achincalho, a insensibilidade e o desequilíbrio, são normas. Num universo comportamental curto circuitado, o seu confrontamento com Otto, traduz o lado mais sombrio e desconforme duma intimidade (conjugalidade) que transporta todas as emoções para o “fio da navalha”. Com sangue. Porque, afinal de contas, as realidades quotidianas, tal como os seres humanos, nem sempre são a duas cores. Ou seja, a carne é uma intensa cruz e o nosso cérebro ardiloso. Maria Emília Correia FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA autor FRANZ XAVER KROETZ tradução MARINA PRINO encenação, espaço cénico e dramaturgia MARIA EMÍLIA CORREIA assistente de encenação CÁTIA RIBEIRO elenco ÂNGELA PINTO - HÉLDER GAMBOA instalação e design gráfico RUI FILIPE LOPES desenho de luz NUNO SAMORA desenho de som HUGO DE SOUZA contra-regras ISABEL MOREIRA - JOSÉ PINTO produção executiva GONÇALO FERREIRA produção TENDA PRODUÇÕES CALENDARIZAÇÃO Dias DE 24 DE MAIO A 24 DE JUNHO DE 2012 Horas 4ª A SÁBADO ÀS 21H45, DOMINGOS ÀS 17H00 Local TEATRO DA TRINDADE (SALA ESTÚDIO), LISBOA BILHETEIRA Horários 3ª FEIRA, 14H>20H | 4ª A SÁBADO, 14H>22H | DOMINGO, 14H>18H Reservas 213 420 000 | 927 982 834 Informações gerais 939 749 701 | GERAL@TENDA.PT | WWW.TENDA.PT | Preços NORMAL - 10 EUROS JOVENS ATÉ 25 ANOS, MAIORES DE 65 ANOS E GRUPOS MAIORES DE 10 PESSOAS - 7,5 EUROS PROFISSIONAIS - 5 EUROS 4ª FEIRA, PREÇO ÚNICO - 5 EUROS classificação MAIORES DE 16 ANOS APOIOS TEATRO DA TRINDADE - FUNDAÇÃO INATEL | CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA | NATURAL HAIR SPA | TURISMO DE LISBOA | TRADIAVES - TALHO DO LOY, PONTINHA | TALHO 30 - SETÚBAL | IT CIGARROS | PANIFICADORA DE CARNIDE | JUNTA DE FREGUESIA DE CARNIDE   










quinta-feira, 24 de maio de 2012

Olhando o céu estou em todos os séculos



Aguncheiras Teatro 2012, a olhar para o céu, sábados e domingos a partir de 30 de Junho!!!

FATAL


D. Maria, a Louca

DIAS 09, 16, 23 E 30/05/12 - TEATRO CINEARTE - A BARRACA - SALA 1 - LISBOA








Ficha Técnica:
Texto: Antônio Cunha
Encenação: Maria do Céu Guerra
Elenco: Maria do Céu Guerra e Adérito Lopes
Direcção plástica, cenografia e figurinos: José Costa Reis
Adereços: Nuno Elias
Desenho de luz: Luis Viegas
Operação de luz: Fernando Belo
Banda sonora e operações de som: Ricardo Santos
Relações públicas e produção: Inês Costa
Secretariado: Maria Navarro
Costureira: Alda Cabrita
Montagem: Mário Dias
Ilustração cartaz: José Costa Reis
Design gráfico: Inês Costa
Assistência de encenação: Marta Soares
Vídeo: Claudia Clemente
Fotografias: MEF - Movimento de Expressão Fotográfica
A corte Portuguesa parte no mês de Novembro de 1807 para o Brasil. São 15 mil almas embarcadas numa enorme frota para defender da Invasão Francesa a coroa e o corpo. Em Fevereiro de 1808 chega à Baía de Guanabara. O Príncipe Regente não autoriza o desembarque imediato de sua mãe a rainha louca.
D. Maria é durante dois dias uma rainha fechada no mar e passa em revista o casamento, a morte do filho, a sujeição à igreja, tudo o que foi a sua acção pública e privada e assusta-se com a chegada a uma terra que viu nascer e morrer Tiradentes o único homem sobre o qual ela usou o seu "direito de mandar matar".
D. Maria está louca mas é dona de uma loucura que a protagonista define de forma magistral "a loucura não é uma porta que se nos fecha mas muitas janelas que se nos abrem, só que todas ao mesmo tempo". A filha de D. José foi a primeira mulher que ocupou o trono. "Uma rainha num reino de homens".

YATRA


domingo, 20 de maio de 2012

Olhando o Céu estou em todos os séculos

 - um texto de Abel Neves - estreia a 30 de Junho - 

A. Branco - ATé AMANHã



Seis encontros, seis conversas entre um preso e uma psicóloga. Ele tem os pulsos envoltos em ligaduras. Ela chega sempre atrasada. Duas pessoas aparentemente muito diferentes, de mundos muito distantes. Uma peça que nos mostra que um preso e uma psicóloga podem ser iguais, independentemente do lado da grade por onde vêem o outro.


Y Posso confiar em si?
W Como?
Y Se posso confiar em si?
W Porque é que pergunta isso?
Y Porque não?
W Não é costume as pessoas serem assim tão directas.
Y O que é um costume?
W É o que a maioria costuma fazer, é o que estamos à espera.
Y Eu não sinto que faça parte da maioria. Mas não respondeu à minha pergunta.

Esta peça foi distinguida com Menção Honrosa INATEL/TEATRO – Novos Textos 2005 e com a Distinção João Osório de Castro, pelo Fórum Teatral Ibérico, em 2008. O Texto encontra-se publicado na Revista FATAL N.º 3 (2010), publicada pelo Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa/Reitora da Universidade de Lisboa.


Preço para estudantes 4€

Domingo dia 26 haverá uma conversa com o autor e os actores no final do espectáculo.

 Produções Feltro Preto : producoesfeltropreto@gmail.com

http://feltropreto.blogspot.pt/

https://www.facebook.com/Feltropreto

Antonin Artaud | A necessidade implacável da criação


A necessidade implacável da criação ou necessidade implacável de afirmação da vida

Ninguém mais do que Artaud lutou incansavelmente contra a imensa pressão da morte. Suas dificuldades se transformaram em desafios, suas angústias e dores em uma busca incessante, seu aprisionamento em procura de uma saída. Em sua dificuldade de se expressar, Artaud deixa uma obra que vem revolucionar a cultura e a arte de seu tempo, só valorizada anos mais tarde; em suas angústias e dores, Artaud liberta suas energias latentes e cria em função dessa revolta; em seu aprisionamento, Artaud luta desesperadamente por uma transformação de todas as estruturas da vida. Uma vida espontânea e uma cultura fascinante, movida por uma força de unificação que se reproduziria a todos os níveis e a todos os instantes.

É com essa mesma força de afirmação da vida inerente em Artaud, que ele vai construir as bases materiais de seu teatro, ou seja, o teatro e seus duplos: a peste, a alquimia, a crueldade.

A Peste

O teatro para Artaud deve ter a força de uma epidemia; deve ser uma combustão que vai trazer à tona, a essência do ser; deve ser um ato de entrega total à essa necessidade inelutável de criação contínua.
Uma verdadeira peça de teatro perturba o repouso dos sentidos e impõe às coletividades reunidas, à sua volta, uma atitude heróica e difícil. Artaud deseja que o teatro se abata entre uma multidão de espectadores com o mesmo e pavoroso horror da peste bubônica, a peste negra da Idade Média. Um teatro vivido a partir do epidêmico, da peste epidêmica. Diante da morte (de uma destruição total) não tenho mais voz, mais vez, mais estação, mais porto seguro. A febre interior aponta que estou em combustão, estou expelindo como um vulcão, como uma tempestade orgânica, como lava, erupção. Uma espécie de exorcismo, de purgação. O organismo descarrega sua podridão - ou você vive ou você morre - não há meio termo. Uma crise completa após cuja passagem resta apenas a morte ou a purificação total. "Também o teatro é um mal porque é o equilíbrio supremo que só se pode conseguir através da destruição. Ele requer, do espírito, a participação num delírio que intensifica suas energias".O palco, lugar do mal absoluto, mas também o crivo da vida. Anárquico e epidêmico, produz formas, ações, sentimentos e idéias num confronto originário de vida e morte. Reabre o espaço virtual das formas e dos símbolos, alimentando e expandindo os conflitos, onde a realidade não se apaga, mas também não se desliga do fluxo produtor da vida.
O teatro é como a peste, não só por atuar sobre a coletividade e por transtorná-la, mas porque existe no teatro, como na peste, algo de vitorioso e de vingativo ao mesmo tempo: o homem rebelado contra a fatalidade e que, em lugar de padecê-la, se insurge contra ela e cria em função dessa revolta. "A ação do teatro como a da peste é benfazeja, pois levando os homens a se verem como são, faz cair a máscara, põe a descoberto a mentira, a tibieza, a baixeza, a hipocrisia; a ação do teatro sacode a inércia asfixiante da matéria; e revelando para as coletividades seu próprio poder obscuro, sua força oculta, ela as convida a assumir uma atitude heróica e superior, que, sem isso, jamais assumiriam".(...) "o teatro existe para furar abcessos coletivamente, pois vamos ao teatro para reencontrarmos aquilo que temos, não propriamente de melhor, mas de mais raro e mais crivado". Artaud nos fala que esse teatro possibilitará a ressurreição de uma força espiritual que cresce em intensidade, em densidade e se afirma à medida que se propaga.
Dele sairemos não como espectadores passivos que se limitam a um olhar artístico sobre as formas, mas como supliciados que se queimam e que fazem signos em suas fogueiras. Ou seja, a função do teatro é perturbar o espectador para que ele, saindo do marasmo a que foi induzido pela cultura (ocidental), possa reencontrar sua essência profunda e sua real capacidade de criação.

A Crueldade

Contra um teatro de divertimento, de entretenimento "digestivo", Artaud nos propõe um teatro que busque alcançar as regiões mais profundas do indivíduo, agindo sobre ele, como as vibrações de uma música capaz de entorpecer a serpente. "Ela se dirige diretamente aos órgãos da sensibilidade nervosa, assim como os pontos de sensibilização da medicina chinesa incidem sobre os órgãos sensíveis e as funções diretrizes do corpo humano" (...) "um ambiente de luzes e de ruídos criados por dispositivos especiais, uma palavra que escapa no momento preciso, pode enlouquecer um homem, deixá-lo louco. Tudo isso para voltar à idéia de que o teatro atua, basta saber manejá-lo".(...) "um teatro onde as formas, os sentimentos, as palavras compõem a imagem de uma espécie de turbilhão vivo e sintético, no meio do qual o espetáculo toma o aspecto de uma verdadeira transmutação".
Foi a revelação das forças misteriosas que comandam o universo, através de seus estranhos movimentos e roupagem hierática, a música miraculosa que acompanha suas danças, a presença de força cósmica em seus gritos inarticulados, que fizeram da descoberta dos atores-bailarinos balineses um acontecimento decisivo na vida de Artaud e o levaram a compreender a verdadeira natureza do teatro como instrumento potencial para a redenção da humanidade..."não sou um daqueles que julgam necessária a mudança da civilização para que o teatro mude: creio, porém, que o teatro, utilizado no sentido mais alto e mais difícil de todos, tem o poder de influenciar a natureza e o desenvolvimento das coisas".
Na concepção de Artaud, esse teatro, cujas forças cósmicas, manifestadas por meios corporais que alcançam e tocam as energias físicas não-verbais e subconscientes das massas, é o que ele intitula Teatro da Crueldade.
Artaud deixa claro que a expressão Teatro da Crueldade não se refere a sadismo, a sangue, pelo menos de modo exclusivo. Não é um culto ao terror. O teatro da Crueldade é, antes de tudo, extremamente violento contra nós mesmos. Trabalha o auto - desnudamento, nos transforma, exige que nós nos reformulemos, "jorra sangue metaforicamente", diz Vera Lúcia Felício.
E no plano de representação, "não se trata da crueldade que infligimos um ao outro, cortando mutuamente nossos corpos, serrando nossas anatomias pessoais, ou como imperadores assírios, mandando uns aos outros, pelo correio, pacotes de orelhas humanas, narizes ou narinas bem cortadas, mas daquela crueldade muito mais terrível e necessária que as coisas podem exercer sobre nós. Não somos livres. Os céus ainda podem cair sobre nossas cabeças. E o teatro existe, em primeiro lugar, para nos ensinar isso".
Como Artaud, não podemos negar que a vida, naquilo que ela tem de devoradora, de implacável, se identifica com a crueldade. E isso não somente no plano físico e visível, onde a crueldade está por todo lado, mas também e, principalmente, no plano invisível e cósmico, onde o simples fato de existir, com a imensa soma de sofrimentos que isto supõe, aparece como uma crueldade... "uso a palavra crueldade no sentido de apetite de vida, rigor cósmico e necessidade implacável, no sentido de turbilhão de vida que devora as trevas, no sentido dessa dor de necessidade inelutável, fora da qual a vida não saberia exercitar-se; o bem é desejado, ele é resultado de um ato, o mal é permanente. Quando cria, o Deus oculto obedece à necessidade cruel da criação que se impõe a si mesma, e assim ele não pode deixar de criar, portanto não pode deixar de admitir, no centro do turbilhão voluntário do bem, um núcleo do mal, cada vez mais reduzido. E o teatro, no sentido de criação contínua, de ação mágica inteira, obedece a essa necessidade. Uma peça onde não exista essa vontade, esse apetite de vida cego, capaz de passar por cima de tudo, visível em cada gesto e em cada ato, e do lado transcendente da ação, será uma peça inútil e fracassada".
Assim, o teatro, na medida em que pára de ser uma arte puramente digestiva e de divertimento fácil, em que volta a ser ativo e reencontra os poderes da ação direta sobre a sensibilidade e, através da sensibilidade, sobre o espírito, redescobrindo sua ligação com as forças, retoma "seu caráter perigoso e mágico, e se identifica com essa espécie de crueldade vital que é a base da crueldade" (...) "onde a criação e a própria vida só se definem por uma espécie de rigor, portanto, de uma crueldade básica que leva as coisas a seu fim inelutável, seja qual for o preço".
Artaud diz "crueldade", como poderia ter dito "vida" ou "necessidade", porque quer indicar que o teatro é ato e emanação eterna, que nele nada existe de fixo, identificando-o a um ato verdadeiro e que, portanto, é vivo, é mágico. Uma prática que se dá no presente, no imediato - o ato, e que deve ter a força de um acontecimento. "Vida- Manifestação: Teatro - manifestação e crueldade - rigor, pois intensidade, pois presença de vida." E esta "presença de vida", diz-nos Vera Lúcia Felício, "liga-se a catástrofes como tremores de terra, erupção de vulcões, de uma forma denominada de "Sublime", no sentido empregado por Artaud, quando diz que existe Sublime e Poesia no crime, na natureza de certos crimes de causas indescritíveis. Esta energia cósmica ou esta força encontrará sua expressão integral no teatro, de um modo marcante, nítido e poético, isto é, sob a forma de uma poesia mágica." A palpitação inata da vida, que colocará em movimento as grandes preocupações e as grandes paixões essenciais, as quais, "o teatro moderno cobriu sob o verniz do homem falsamente civilizado".
Máscara - teatro-dança balinês

Máscara - teatro-dança balinês



Novamente aqui, o Teatro de Bali vem ser a concretização dessa linguagem palpitante da vida: "em Bali, os temas provêm, parece, das junções primitivas da Natureza que um Espírito duplo favoreceu. O que ele agita é o Manifestado. É uma espécie de Física primeira, da qual o Espírito nunca se afastou" (...) "suas realizações são talhadas em plena matéria, em plena vida, na plena realidade. Há nelas algo do cerimonial de um rito religioso, no sentido que extirpam do espírito de quem as observa toda idéia de simulação, de imitação barata da realidade". Em Bali, uma realidade fabulosa e obscura é acionada, soerguida, alcançada sem delongas e sem rodeios. Tudo isso, diz Artaud, "parece um exorcismo para fazer nossos demônios AFLUÍREM".
Alquimia O teatro, assim como a alquimia, nos permite reascender ao sublime, mas com drama, ou seja, antes de chegar à operação teatral de fazer ouro ou à operação de fazer ouro teatral, é necessário passar pelo embate de forças lançadas umas contra as outras, até chegar à decantação bruta, à pureza absoluta, concebida como "uma espécie de nota limite, apanhada em pleno vôo e que seria como a parte orgânica de uma indescritível vibração".
No teatro não haverá um material pronto, pré-parado, mas se desenvolverá e se construirá como uma matéria em ebulição na direção de um possível: "decantar e operar a transfusão da matéria, evocar a transfusão ardente e decisiva da matéria pelo espírito, fundindo todas as aparências em uma expressão única que devia ser semelhante ao ouro espiritualizado". Pelo duplo, o teatro quer tornar sensível essa unidade múltipla da vida, onde será possível juntar a divisão, a contradição, o perigo, fazendo do teatro a "gênese da criação "- extraindo ordem da brutalidade ciclônica da natureza: no eterno retorno ao caos do princípio, a regeneração da vida, do mundo, do cosmo. "O verdadeiro teatro nasce, assim como a poesia, mas por outras vias, de uma anarquia que se organiza, após lutas filosóficas que são o lado apaixonado dessas primitivas unificações".
O Teatro da Crueldade e a Alquimia, ambos são artes virtuais..."assim como a alquimia, com seus símbolos, é como o Duplo espiritual de uma operação real, também o teatro deve ser considerado como o Duplo não desta realidade cotidiana e direta, da qual ele, aos poucos, se reduziu a ser uma cópia inerte". Artaud, ao dizer que "o teatro é um duplo da vida e a vida é um duplo do verdadeiro teatro", não está tratando da vida reconhecida pelo exterior dos fatos, mas duma "espécie de frágil e turbulento núcleo no qual as formas não tocam". Assim, como diz Artaud, "o público acreditará nos sonhos do teatro com a condição de considerá-los, de fato, como sonhos e não como decalque da realidade; com a condição de que os sonhos permitam liberar no público essa liberdade mágica do sonho, que ele só pode reconhecer enquanto marcado pelo terror e pela crueldade."
O teatro que Artaud propõe nada tem a ver com teatro social que muda com as épocas, mas um teatro que atue, um teatro que não se detém no aspecto individual da vida, mas que tem como verdadeiro objetivo o criar mitos, possibilitando traduzir a vida sob seu aspecto universal e extraindo dessa vida imagens nas quais gostaríamos de nos reconhecer.
Como na alquimia, a cena no teatro (o ouro) não se encontra pronta, ela vai sendo construída no dinamismo da ação, extraindo as forças latentes, depurando-as até encontrar os gestos e sons primordiais, essenciais, a pedra filosofal, a síntese. Nesta cena não haverá desperdício, a exatidão com a qual cada ação será desenhada no espaço, a precisão com a qual cada traço será definido, uma série de pontos de partida e de chegada fixados exatamente de impulsos e contra-impulsos, os quais, permitirão, que a massa da vida se faça revelação.Um teatro que condensa, destila a essência mesma da realidade, portanto, um teatro de pesquisa...uma pesquisa dos sentidos eficazes do teatro. Eficazes naquele que realiza e eficazes naquele que olha, o espectador. O teatro balinês é, para Artaud, esse sentido eficaz, onde poesia e matemática, magia e ciência se tornam uma mesma realidade, se encontram.
A peste enquanto possibilidade de redenção; a crueldade enquanto rigor cósmico, necessidade inelutável da criação; a alquimia enquanto purificação da matéria, vão possibilitar, segundo Artaud, a construção de um novo sujeito, inteiro, essencial. O verdadeiro objetivo do teatro não é imitar a vida, mas refazer a vida.
Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@yahoo.com.br

sábado, 19 de maio de 2012

O Teatro Contemporâneo


Teatro | Contemporâneo








Em 1960, o polaco  Jerzy Grotowski, autor do livro Teatro Laboratório, extremamente influenciado pela estética do Teatro da Crueldade, de Artaud, estabeleceu uma relação diferente entre ator e espectador. Para Grotowski, o ator não deve ter no palco elementos que distraiam a atenção do espectador, senão seu próprio corpo, ou seja, as apresentações são feitas junto ao público, sem palco, sem iluminação, cenários, tampouco texto. Para o dramaturgo, “o teatro é o encontro do espectador com o ator”, de forma que isso justificava a invasão do ator para dentro do espaço reservado à platéia, fazendo do público, uma peça chave para os dramas encenados. Para essa concepção, foi dado o nome de Teatro Pobre, pois não se explora outra coisa a não ser a interpretação do ator, única e exclusivamente, sem artifícios maiores, apenas o ator e sua carga dramática.

Jersy Grotowski
A ideia de Grotowski de fazer um teatro que refletisse um pouco o mundo contemporâneo,  rapidamente ganhou vários sectários que continuaram a desenvolver a técnica dopolaco. O mais conhecido deles é o inglês Peter Brook, que procurou estreitar os laços entre o teatro e a vida, colocando a arte como fator essencial para o convívio humano. Assim como o mestre Grotowski, os seguidores do Teatro Pobre procuraram trabalhar a expressão corporal do atores ao invés de utilizar textos, eliminando todos os componentes tradicionais do teatro como a iluminação, o palco e o figurino. O Teatro Pobre configurou-se na reinvenção do teatro, pois propôs uma concepção trabalhada conjuntamente, com detalhes simples compondo a roupagem dos personagens, além de romper com a barreira do proscênio para ir aonde o público estava, atuando tanto no teatro quanto nas praças públicas. 

Com a política económica em alta no Estados Unidos após a crise da Segunda Grande Guerra, o teatro tornou-se uma maneira de enriquecimento, de negócio que, junto com o esmero e o aperfeiçoamento das técnicas de composição de luz e som, se manifestou como Show Business, sofrendo sérias críticas daqueles que eram contra o comércio da arte representado pela Broadway. Assim, grupos de teatro sentiram a necessidade de correr para espaços alternativos, fugindo da Indústria Cultural, o que hoje em dia está cada vez mais difícil por causa comercialização das grandes produções, que praticamente monopolizam o cenário “artístico” nos Estados Unidos e no mundo. A reviravolta econômica e esse panorama artístico no mundo comprovaram as previsões de Walter Benjamin. 

Os espaços alternativos normalmente estão espalhados pela periferia das cidades mais populosas do mundo. Pegando Nova Iorque como exemplo, as companhias tradicionais, como o Open Theater (1963), incentivaram experiências contemporâneas, trabalhando uma realidade nua e crua, buscando essencialmente o ritual oriundo das produções arcaicas teatrais que deram origem à arte cênica. Diretores como Enrique Vargas e Gerald Thomas hoje alimentam a periferia da cidade de Nova Iorque com o teatro contemporâneo filosófico que, por puro preconceito ainda é muito descriminado pela sociedade, que não permite a inovação, o inusitado naquilo que considera tradicional e já experimentado. 

Sobre Artaud, Grotowski diz, parafraseando a crítica teatral: “Artaud é um profeta do teatro, seu Teatro da Crueldade foi muito importante para o questionamento do verbalismo no teatro francês”. Isso demonstra a credibilidade desse que, em vida não provou muito do que propôs, mas que semeou um campo virgem de novas concepções teatrais inspirando muitos que seguiram o caminho das múltiplas tendências do teatro contemporâneo. No Royal Shakespeare Company de Londres, Peter Brook e Charles Marowite promoveram a filosofia artaudiana em diversas montagens que se propuseram a renovar o espírito da Crueldade, além de comprovar os fatos divulgados pela mente genial de Artaud. Assim, foi montada, entre outras, a peça A Dança do Sargento, que apesar de criticar a velha técnica artaudiana em alguns aspectos, apresentava um pouco da magia da Crueldade. 
Muitos dramaturgos contemporâneos rechaçam a técnica artaudiana, mas reconhecem que ela foi essencial para a quebra com o naturalismo. Seguidores das concepções cênicas de Brecht constituíram uma nova forma de elaborar o teatro contemporâneo, em uma técnica que apresentava contextos poéticos, com grande esmero por parte dos pesquisadores, com a proposta quase exclusiva de informar, passar uma mensagem empírica a respeito de acontecimentos fundamentados em questões históricas. Essa técnica ganhou o nome de Teatro-Documento, que tinha no dramaturgo inglês Peter Weiss, autor de Marat-Sade, seu principal representante. Weiss tornou-se um homem preocupado com a questão social e política de sua época, apresentando seus espetáculos baseados em fatos verídicos, com datas e ocorrências que marcaram época e que foram registrados em seus textos para o bom uso da posteridade. 

A proposta de um novo paradigma teatral trouxe a possibilidade da democrática abertura do saber filosófico para diversos grupos de teatro do mundo inteiro. Isso culminou numa série de vertentes que buscaram seguir um idealismo peculiar de cada encenador ou grupo teatral. Grotowski, satisfeito com a possibilidade de ver uma amplidão no mundo no que se refere às teorias teatrais, esclareceu que seu trabalho não mais surpreendia nem chocava, pois o modismo estava com os dias contados. De certa forma essa profecia do mestre polonês se realizou, pois no mundo globalizado, a diversidade aumentou demasiadamente o que permitiu a opção por diversas formas de se fazer teatro. Assim, uma vertente hoje em dia pode até não agradar, mas não choca a sociedade da mesma forma que as novas tendências do teatro contemporâneo chocaram os tradicionalistas na segunda metade do século XX.

Teatro de rua (happening)
Diversas propostas teatrais hoje concentram-se na filosofia da quebra com o teatro tradicional. O happening, o teatro de rua, onde o espectador se confunde com o atuante, interpretando a si próprio e sua realidade, propõe um jogo, uma situação que busque a relação mais próxima do espectador com quem atua, partindo do pressuposto de que todos são iguais dentro do jogo da vida. Essa proposta culminou nas teorias de Jean Jacques Lebel e Augusto Boal (1931 - ), dois pontífices da democratização da arte, do contato entre o teatro e sua maior inspiração, que são as situações casuais da vida real. Dentro desse contexto brilhante, Boal proclama em seu livro Jogos para atores e não atores: “todo mundo age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores! Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no Maracanã ou em praça pública para milhares de espectadores. Em qualquer lugar... até mesmo dentro dos teatros.” Maria José Rangué, sobre a cultura norte americana, afirmou: “Somos todos atores, pois tudo é real e ninguém é espectador”

Muda-se o tempo, muda-se a mentalidade. Cresce o poder crítico em relação ao teatro e sua gente, entre a cultura e aqueles que a produzem. Cresce o poder crítico da cultura como um elemento de crucial representação dos ritos e costumes de uma sociedade, assim como da civilização, que constitui um grande objeto de estudo antropológico e sociológico. Assim, o teatro passa a ser utilizado para fins como o manifesto, o debate de idéias, a reflexão e a imediata compilação de idéias, elaborado de forma mais democrática que os meios tradicionalmente conhecidos, por se estabelecerem onde o público está e não ao contrário. Isso se chama Revolução Cultural, onde, as realizações de uma sociedade, se converte em arte. O happening é um meio de comunicação fantástico, pois canaliza as informações de maneira bem contundente, objetivando setores da sociedade, podendo-se elaborar formas de abordagem dentro de qualquer contexto, dentro de qualquer assunto (seja na penitenciária, no orfanato, no asilo, no manicômio, etc.). 
Além de poder desenvolver temáticas que representem vários grupos da sociedade, a compreensão de teatro, como difusão da realidade, faz com que os fatos ocorrentes na vida real sejam encarados como fenômenos para-teatrais. Assim, pode-se considerar como arte todo e qualquer movimento da sociedade, como, por exemplo, um homem barbeando-se no espelho de manhã e uma babá limpando uma criança num berçário. Fatos da vida que se revelam fontes de inspiração por serem mais artístico do que a própria arte em si. E o que será que inspirou a vida? Pergunta difícil de se responder, porém um bom tema a ser abordado pelos teatrólogos “pós contemporâneos”...

O Parateatro, segundo os filósofos contemporâneos significa a simulação da vida, de forma que esse gênero artístico é muito utilizado em protestos, onde há uma retratação da realidade por meios interpretativos, em prol da verificação da verdade. Por exemplo: um grupo de pessoas simulando a morte de um grupo de baleias, um homem que anda nu nas ruas de Londres no frio gélido, um homem rico que se veste de mendigo para pedir esmolas, uma criança que solta uma pomba branca em prol da paz no mundo, etc. São atos solenes ou tempestuosos que tenham uma representatividade dentro da sociedade e que, logo se tornam teatrais. O teatro como cerimônia trabalhado no ocidente foi útil para a compreensão da arte oriental, que se manifesta em respeito aos milenares hábitos culturais de seus povos, ou seja, “o teatro como representação de sua gente”.

Augusto Boal, diretor de centros de teatro no Rio de Janeiro e em Paris, autor de diversos livros sobre o tema (todos traduzidos para vinte e cinco línguas com grande notoriedade no mundo), influenciado pelas filosofias contemporâneas que estreitam os laços da vida real com o teatro, observou com muita propriedade que todo ser humano é um ator, pois pratica a interpretação espontânea, interpretando seus personagens em ocasiões distintas, em cenas do dia a dia. 

Sempre muito curioso em relação às reações humanas perante à vida, Boal, que estudou na School of dramatic art da Universidade de Columbia nos Estados Unidos, propõe o Teatro do Oprimido, uma forma inovadora de se fazer teatro, que rompe com a estética tradicional e que permite o contato direto do público com os atores. O Teatro do Oprimido começou a ser difundido por Boal na década de 70 na Europa, por onde esteve exilado durante a ditadura militar, sendo que as suas primeiras experiências, foi com o chamado Teatro Invisível, que Boal explica em um de seus livros: 

... deve ficar claro: Teatro Invisível é teatro! Cada peça deve ter um texto escrito, que servirá de base para a parte chamada fórum (...) os atores devem interpretar seus personagens como se estivessem em um teatro tradicional, representando para espectadores tradicionais. No entanto, quando o espetáculo estiver pronto, será representado em um lugar que não é um teatro e para espectadores que não têm conhecimento de que são espectadores...” 

O Teatro Invisível constitui-se em representar uma peça teatral nas ruas, junto com as pessoas, sem que essas saibam que estão participando de uma contexto cênico. Por isso, é invisível, pois é o teatro que não se vê, mas que se faz presente, e que procura mostrar que todas as ações quotidianas do ser humano são teatro. Assim, esse gênero procura introduzir o ator no contexto real, que se configura com personagens da vida real, que praticam todos os dias o teatro invisível de ir à escola, de escovar os dentes, de comer um hambúrguer, de brigar com o marido, de correr em volta de um lago, ou seja, de se fazer teatro! Afinal, a “vida real” constitui-se de personagens, de contextos, de emoções, de diálogos e de cenários, o que faz de todo homem um personagem da vida real. Sendo assim, podendo os atores representarem a realidade, há a possibilidade das pessoas representarem a ficção, entrando em contato com suas próprias subjetividades. Boal provou inúmeras vezes a sua teoria de que pessoas comuns podem participar de um espetáculo cênico, discutindo assim suas questões mais relevantes. 
Durante o exílio, Boal incentivou seus grupos teatrais a fazerem encenações em locais inusitados como o Metrô de Paris. Os temas trabalhados no Teatro Invisível são levados para onde quer que o público esteja, de forma que todos podem participar das montagens, podendo inclusive intervir nas cenas, sendo não mais espectador e sim, como chama Boal, espect-ator. Essa forma de Teatro do Oprimido chama-se “Teatro Fórum”, que numa proposta conferencista, pretende expor argumentos e idéias, pontos e contrapontos, vivências e críticas num jogo dicotômico, que trabalha com o opressor e o oprimido em situações diversificadas, onde o ator não é uma espécie de semi-deus que se apossa de um espaço para mostrar a sua arte e sim, mais um ser humano, mais um personagem que ali, fará parte do jogo, colocando a sua arte à disposição do público que pretende dar idéias, participar da montagem, contar nas entrelinhas a sua vida e expor seu ponto de vista. O Teatro Fórum é feito um jogo, onde os atores fazem uma montagem que tenha um opressor e um oprimido (como por exemplo, um motorista mal educado e uma velhinha querendo descer do ônibus, ou um senhorio nervoso e um inquilino sem dinheiro...), sendo que os espect-atores devem substituir os atores para resolverem o problema existente na cena. Assim, como num processo terapêutico, os componentes desse jogo podem trabalhar em cima de seus maiores medos, ansiedades, ódios, amores, indignações, etc. 

“O melhor desse jogo é que ele pode (e deve!) ser feito não só no teatro, mas na rua, no parque, em escolas, em casa, em diversos locais enfim”, diz Boal à revista Metaxis, revista do Teatro do Oprimido. Após os atentados de onze de setembro, Augusto Boal esteve em Nova Iorque e trabalhou com o que chamou de “ pedagogiaAche os cursos e faculdades ideais para você. É fácil e rápido. do medo” com os traumatizados nova-iorquinos . “... a verdade é terapêutica: constatei, fazendo Teatro do Oprimido, o espantoso poder da pedagogiaAche os cursos e faculdades ideais para você. É fácil e rápido. do medo, pois os jovens aprenderam a ver o mundo além de suas fronteiras, ao ver que era verdade, sim, que os Estados Unidos salvaram o mundo do nazismo, mas que, em contra partida, suas agências de espionagem semearam a morte e a destruição em países na América do Sul e do Centro; na África, na Ásia e até na Europa. Os jovens buscavam as suas verdadeiras identidades, escamoteadas pelo mentiroso discurso político patriótico e pela mídia censurada”
Hoje, o Teatro do Oprimido tornou-se um conhecimento básico para todos aqueles que pretendem estudar e ou trabalhar com teatro, enquanto que Augusto Boal, eleito vereador no Rio de Janeiro em 1993, aprovando treze leis municipais relativas ao tema, tornou-se um dos maiores especialistas em teatro no Brasil e no mundo, sendo sua obra mais difundida no exterior do que em seu país de origem. Após seu mandato de vereador, Boal lançou o livro “Teatro Legislativo”, que faz referências ao Teatro Fórum, abordando questões políticas e sociais, para que a sociedade possa, pelo viés do teatro, expor suas críticas, opiniões e tomar conhecimento de seu poder cívico e assim, à partir da arte e do convívio com o próximo, ter as chances de colocar em pauta suas questões mais conflitantes, que muitas vezes são renegadas pelos seus governantes. 

Teatralismo - Na década de 90, musicais como Les misérables, dirigido por Trevor Nunn e John Caird ou Miss Saigon, dirigido por Nicholas Hytner, ilustravam a tendência ao chamado "teatralismo", a volta à exploração dos recursos específicos da linguagem de palco - encenações elaboradas, estilizadas, ricas em efeitos especiais e ilusões teatrais. Isso acarretou o declínio acelerado das montagens ditas "minimalistas", como algumas de Bob Wilson, que usavam cenários austeros, guarda-roupa simplificado, o mínimo de adereços de cena, gestos reduzidos.

BIBLIOGRAFIA 
BRECHT, BERTOLD, Estudos Sobre Teatro. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978 
CIVITA, VICTOR, Teatro Vivo, Introdução e História. – São Paulo: Abril Cultural, 1976 
MIRALLES, ALBERTO, Novos Rumos de Teatro. – Rio de Janeiro: Salvat Editora, 1979 
SCHMIDT, MARIO, Nova História Crítica, Moderna e Contemporânea. – São Paulo: Editora Nova Geração, 1996 
BOAL, AUGUSTO, Teatro Para Atores e Não Atores. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998 
LAFFITTE, SOPHIE, Tchekhov. – Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1993 
ROBERTO FARIA, JOÃO, O Teatro na Estante. – São Paulo: Ateliê Editorial, 1998 
JANVIER, LUDOVIC, Beckett

Ver também

O teatro e a peste


Artaud: O Teatro e a Peste


Os arquivos da pequena cidade de Cagliari, na Sardenha, conservam o relato de um sucesso histórico espantoso*.

Uma noite do fim de Abril ou princípio de Maio de 1720, cerca de vinte dias antes de chegar a Marselha o navio Grand Saint Antoine, cuja atracação coincidiu com a mais maravilhosa explosão de peste que fez agitar as memórias da cidade, Saint-Rémys, vice-rei da Sardenha com responsabilidades exíguas de monarca que talvez sensibilizassem os vírus mais perniciosos, teve um sonho particularmente aflitivo: viu-se pestoso e viu a peste devastar-lhe o minúsculo Estado.

Sob a ação do flagelo, liquefazem-se os quadros da sociedade. A ordem sucumbe. Ele assiste a todas as ruínas da moral, a todas as derrocadas da psicologia, ouve dentro de si o murmúrio dos humores dilacerados em plena derrota e que em vertiginosa perda de matéria ficam pesados e aos poucos se transformam em carvão. Será tarde demais para conjurar o flagelo? Mesmo destruído, mesmo aniquilado e organicamente pulverizado, e queimado nas medulas, sabe que se não morre em sonhos, que a vontade desempenha nisto um papel até ao absurdo, até à negação do possível, até uma espécie de transmutação da mentira onde a verdade se reconstrói.

Acorda. Vai mostrar-se capaz de afastar todos os boatos de peste que ali correm, e esses miasmas de um vírus chegado do Oriente.

O Grand Saint Antoine, navio que há um mês saiu de Beirute, pede passo e dispõe-se a fazer um desembarque. Nessa altura é que ele dá a ordem louca, a ordem que o povo e toda a sua corte julgam delirante, absurda, imbecil e despótica. À lufa-lufa, manda a barca do piloto e alguns homens ao navio que supõe contaminado, com ordem para o Grand Saint Antoine virar imediatamente de bordo e sair a toda a vela da cidade, sob pena de o afundar a tiros de canhão. A guerra contra a peste. O autocrata não estava com meias medidas.

De passagem terá de referir-se a singular força de influência que este sonho exerceu nele, pois permitiu-lhe fazer vingar a ferocidade de tais ordens, apesar dos sarcasmos da multidão e do ceticismo da corte, e para isto tendo de saltar, não só por cima do direito das pessoas, como do mais elementar respeito pela vida humana e de toda a espécie de convenções nacionais ou internacionais que deixam, perante a morte, de ter oportunidade.

Seja como for, o navio continuou a sua rota, atracou em Libourne e entrou na barra de Marselha, onde lhe consentiram o desembarque.

Que fim o desta carga de pestosos, não é coisa que os serviços de inspeção, em Marselha, tenham de lembrança. Pouco se conhece da sorte dos marinheiros da equipagem pois não morreram todos de peste e dispersaram-se por diversos lados.

O Grand Saint Antoine não levou a peste para Marselha. Ela já lá estava. E num período de singular recrudescência. Mas tinha sido possível isolar-lhe os focos.

A peste, que o Grand Saint Antoine trazia, era a peste oriental, o vírus de origem; e por se ter aproximado da cidade, e espalhado nela, é que ficou a dever-se o lado particularmente cruel e o flamejar generalizado da epidemia.

Ora, isto inspira pensamentos vários.

Uma tal peste, que parece reativar um vírus, só por si era capaz de fazer devastações sensivelmente iguais; pois o capitão foi o único, de toda a equipagem, que a não apanhou; e por outro lado não parece que os pestíferos recém-chegados tenham alguma vez contactado diretamente com os outros, guardados em bairros isolados. Passando à distância de um grito em Cagliari, na Sardenha, o Grand Saint Antoine não deixou lá ficar peste nenhuma mas o vice-rei capta em sonho certas emanações suas; porém é impossível negar que entre ele e a peste se não tenha estabelecido uma ponderável comunicação, apesar de sutil, e numa doença destas é fácil demais admitir só o contágio por simples contato.

Estas relações entre Saint-Rémys e a peste, suficientemente fortes para se libertarem por imagens no sonho, não são ainda assim suficientemente fortes para a doença o atacar.

Seja como for, quando a cidade de Cagliari soube, tempos mais tarde, que o navio escorraçado das suas costas pela vontade despótica do príncipe miraculosamente iluminado estava na origem da grande epidemia de Marselha, recolheu o fato nos seus arquivos e hoje qualquer pessoa pode ir lá procurá-lo.

A peste de 1720 em Marselha valeu-nos as únicas descrições clínicas, digamos, que existem do flagelo.

Podemos no entanto perguntar se a peste descrita pelos médicos de Marselha era realmente igual à de 1347, em Florença, de onde veio a resultar o Decameron . A História, os livros sagrados, entre eles a Bíblia, alguns velhos tratados de medicina, descrevem do exterior toda a espécie de pestes, e delas parecem ter retido bem menos os aspectos mórbidos do que a impressão desmoralizante e fabulosa que deixaram nos espíritos. E talvez tenham razão. Porque à medicina muito custaria estabelecer uma diferença básica entre o vírus que matou Péricles aos pés de Siracusa, se é que a palavra vírus mais significa do que uma simples facilidade verbal, e o que manifesta a sua presença na peste descrita por Hipócrates e que recentes tratados médicos dão como uma espécie de peste falsa. E peste autêntica, de acordo com os mesmos tratados, só haveria a que veio do Egito e saiu dos cemitérios a descoberto pela vazante do Nilo. A Bíblia e Heródoto estão de acordo em assinalar a fulgurante aparição de uma peste que dizimou, numa só noite, os 180 000 homens do exército assírio, salvando assim o Império Egípcio. A ser verdade, precisar-se-ia então considerar o flagelo como instrumento direto ou materialização de uma força inteligente em estreita relação com o que chamamos fatalidade.

E tudo isto com ou sem o exército de ratos que se atirou na mesma noite às tropas assírias e em poucas horas lhes roeu os arreios. É um fato que deve ligar-se à epidemia que deflagrou no ano 660 antes de J. C., na cidade sagrada de Mekao, no Japão, por altura de uma simples mudança de governo.

A peste de 1502, na Provença, que forneceu ocasião para Nostradamus exercer os seus dotes de curandeiro pela primeira vez, na ordem política também coincidiu com perturbações as mais profundas, quedas ou mortes de reis, desaparecimento e destruição de províncias, sismos, fenômenos magnéticos de todas as espécies, êxodos de judeus que precedem ou seguem cataclismos e devastações na ordem política ou cósmica, sendo demasiado estúpido quem tais coisas provoca, para saber prevê-las, e não perverso o bastante para realmente desejar os seus efeitos.

Quaisquer que sejam os erros dos historiadores ou da medicina sobre a peste, julgo que podemos ficar de acordo quanto à ideia de uma doença que seria uma espécie de entidade psíquica, e não transmitida por um vírus. Se quiséssemos analisar de perto todos os casos de contágio pestoso que a História ou as Memórias nos oferecem, teríamos dificuldade em isolar um só, verdadeiramente averiguado, de contágio por contato; e o exemplo citado por Bocaccio, de leitões mortos por fuçarem lençóis que teriam embrulhado pestíferos, só vale para demonstrar uma espécie de afinidade misteriosa entre a carne de leitão e a natureza da peste, o que também haveria que analisar de muito perto.

Não existindo a idéia de uma verdadeira entidade mórbida, há porém formas sobre as quais o espírito pode pôr-se provisoriamente de acordo, para caracterizar certos fenômenos, e parece-nos que ele pode concordar com uma peste descrita da forma que segue.

Antes de qualquer mal-estar físico ou psicológico bastante bem caracterizado, manchas vermelhas salpicam o corpo e o enfermo só dá por elas de repente, quando começam a passar ao negro. Nem tempo tem de se assustar, pois a cabeça desata a ferver, a ficar gigantesca de peso, e ele sucumbe. Só então se apodera do enfermo uma cruel fadiga, fadiga de uma aspiração magnética central, das suas moléculas cindidas ao meio e levadas até ao aniquilamento. Parece-lhe que os seus humores enlouquecidos, perturbados, em desordem, galopam pelo corpo. O estômago revolve-se, parece-lhe que o interior do ventre quer sair pelo orifício dos dentes. O pulso ora enfraquece até se transformar em sombra, uma virtualidade de pulso, ora galopa e segue o fervilhar da febre interna, o escorrente desvario do espírito. É um pulso que bate com precipitadas pancadas, como o coração, e se faz intenso, cheio, ruidoso; um olho vermelho incendiado, e depois vidrado; a língua latejante enorme e grossa, primeiro branca, depois negra e como que fissurada e carbonosa, tudo anuncia uma tempestade orgânica sem precedentes. Não tarda que os humores fendidos pelo raio como a terra, tal um vulcão que tempestades subterrâneas atormentam, procurem sair para o exterior. Por entre as manchas nascem pontos mais ardentes, à volta desses pontos a pele levanta-se em empolas, como bolhas de ar sob a epiderme de uma lava, e essas bolhas rodeiam-se de círculos, o último parecido com o anel de Saturno à volta do astro em incandescência máxima, que revelam o limite extremo de um tumor.

O corpo é sulcado por eles. Mas tal qual os vulcões, que têm pontos de eleição na terra, os umores têm pontos de eleição, por todo o corpo humano. A dois ou três dedos da virilha, nas axilas, nos preciosos lugares onde glândulas ativas consumam fielmente, as suas funções, aparecem inchaços por onde o organismo se vai descarregando, quer da podridão interna, quer, nalguns casos, da própria vida. A maior parte das vezes uma conflagração violenta e localizada num ponto indica que a vida central nada perdeu da sua força, e é possível haver um alívio do mal ou mesmo a cura, Tal como o cólera branco, mais terrível peste a que não divulga os seus sintomas.

Aberto, o cadáver do empestado não mostra lesões. A vesícula biliar, encarregada de filtrar os resíduos agora mais grossos e inertes do organismo, está cheia, cheia a rebentar de um líquido negro e pegajoso, tão compacto que lembra uma matéria nova, O sangue das artérias, das veias, é de igual forma negro e pegajoso. O corpo fica duro como pedra. Nas paredes da membrana estomacal parece que despertam inúmeras fontes de sangue. Tudo indica uma desordem fundamental das secreções Mas não há perda nem destruição da matéria, como na lepra ou na sífilis. Até mesmo os intestinos, que são lugar dos mais sangrentos distúrbios, onde as matérias chegam a um insuspeitado grau de putrefação e petrificação, os intestinos não são organicamente atacados. A vesícula biliar, de. onde se tem quase que arrancar o endurecido pus, tal como em certos sacrifícios humanos se faz com uma faca afiada, um instrumento de obsidiana vitroso e duro - a vesícula biliar está hipertrofiada e em determinados locais quebradiça, porém intacta, sem lhe faltar nenhuma partícula, sem lesão visível, sem matéria perdida.

Alguns casos há, todavia, em que os pulmões e o cérebro lesionados enegrecem e gangrenam. Os pulmões estão amolecidos, escortaçados, a cair em aparas de sei lá que matéria negra, o cérebro está desfeito, moído, pisado e reduzido a pó, desagregado numa espécie de poeira de carvão negro.

Deste fato, duas conclusões importantes devem tirar-se: a primeira, que as síndromes da peste ficam completas sem gangrena dos pulmões e do cérebro, e o pestoso apanha a sua conta sem um só membro lhe apodrecer. Sem chegar a subestimá-la, o organismo não reivindica a presença de uma gangrena localizada e física para se decidir a morrer.

A segunda conclusão é que o cérebro e os pulmões são os dois únicos órgãos realmente atingidos e lesionados pela peste, e acontece que ambos sob a dependência direta da consciência e da vontade. Podemos ficar sem respirar ou pensar, podemos acelerar a respiração, ritmá-la à nossa vontade, fazê-la consciente ou inconsciente no grau que quisermos, introduzir um equilíbrio entre as duas espécies de respiração: a automática, sob o comando direto do grande simpático, e a outra, que obedece aos reflexos do cérebro que se fazem conscientes.

De igual forma podemos precipitar, afrouxar e ritmar o pensamento. Podemos regulamentar o jogo inconsciente do espírito. Não pode dirigir-se a filtragem dos humores pelo fígado, a redistribuição do sangue no organismo pelo coração e pelas artérias, dominar a digestão, parar ou precipitar a eliminação das matérias no intestino. Parece, pois, que a peste manifesta nos sítios a sua presença, afeta todos os sítios do corpo, todos os lugares do espaço físico que tem a vontade humana, a ciência e o pensamento próximos, e em situação de se manifestarem.

Em 1880 e tal, um médico francês chamado Yersin, que trabalhava em cadáveres de indochineses mortos pela peste, isola um desses girinos de crânio arredondado e rabo curto só descortinável ao microscópio, e a isso chama micróbio da peste. Aos meus olhos não passa de um elemento material menor, infinitamente menor, que num qualquer instante do desenvolvimento do vírus surge mas nada me explica sobre a peste. E eu preferiria que esse médico me dissesse por quê têm uma vida de cinco meses as grandes pestes, com ou sem vírus, e depois a sua virulência decresce; e como foi possível aquele embaixador turco, de passagem pelo Languedoc nos finais de 1720, indicar uma espécie de linha que, à maneira de um extremo limite de propagação geográfica do flagelo, unia Bordéus a Nice por Avinhão e Tolosa. Coisa que os fatos iriam confirmar.

De tudo isto ressalta a fisionomia espiritual de uma doença com leis que não podem ser definidas cientificamente e cuja origem geográfica seria idiota querer determinar: porque a peste do Egito não é a do Oriente, que não é a de Hipócrates, não é a de Siracusa, que não é a de Florença, a Negra, a que deve a Europa medieval cinquenta milhões de mortos. Ninguém saberá dizer por que se abate a peste sobre o covarde em fuga e poupa o libertino que vai satisfazer-se nos cadáver Por que hão de o afastamento, a castidade, a solidão mostrar-se impotentes contra as arremetidas do flagelo, e por que há certo grupo de debochados que se isola no campo, como Bocaccio e mais dois companheiros de membro pronto e sete luxuriosas devotas, poder aguardar em paz esses dias quentes que vêem no seu auge a peste retirar-se; e por que. há de a peste, num castelo próximo transformado em cidadela guerreira com um cordão de homens armados que proíbem as entradas, fazer da guarnição inteira e dos seus ocupantes cadáveres, poupando os homens armados, únicos expostos ao contágio. E quem saberá explicar também como foi possível os cordões sanitários, que Mehmet Ali formou com um grande reforço de tropas no fim do século passado, mostrarem eficácia a proteger conventos, escolas, prisões e palácios por ocasião de uma recrudescência da peste egípcia? E que focos múltiplos de uma peste, com todas as características da peste oriental, tivessem podido rebentar repentinamente, na Europa medieval, em lugares sem nenhum contacto com o Oriente?

Destes insólitos, destes mistérios, destas contradições e sintomas ter-se-á que compor a fisionomia espiritual de uma doença que mina o organismo e a vida até ao rasgão e ao espasmo, tal uma dor que vai crescendo de força e se infiltra cada vez mais, multiplicando as suas avenidas e riquezas por todos os círculos da sensibilidade.

Desta liberdade espiritual, que o desenvolvimento da peste acompanha sem ratos, sem micróbios e sem contatos, pode porém extrair-se o jogo absoluto e sombrio de um espectáculo que vou tentar analisar.

Instalada a peste numa cidade, os seus quadros desabam, deixa de haver redes de abastecimento público, exército, polícia, município; ao sabor dos braços disponíveis acendem-se fogueiras para queimar os mortos. Cada família quer ter o seu. Depois, começa a rarear a lenha, fazem-se raros lugares e chamas, à volta das fogueiras há lutas de família logo seguidas por uma fuga geral, porque os cadáveres são aos montes. Já os mortos atravancam as ruas com pirâmides instáveis que os animais vão roendo pelas bordas. O mau cheiro sobe no ar como uma chama. Ruas inteiras ficam obstruídas com pilhas de mortos. Nessa altura é que as casas se abrem e empestados delirantes se espalham a gritar pelas ruas, com o espírito carregado de imaginações terríveis. O mal que lhes corrói as vísceras, que lhes percorre o organismo inteiro, liberta-se em foguetes através do espírito. Outros pestíferos sem inchaços, sem dor, sem delírio e sem petéquias, olham-se com orgulho ao espelho porque se sentem a vender saúde, mas caem mortos com a navalha da barba na mão, cheios de desprezo por quem já estava empestado.

Por sobre os ribeiros sangrentos, grossos, virosos, cor de angústia e ópio que jorram dos cadáveres, estranhas personagens revestidos de cera, com narizes de uma ana de comprido, olhos de vidro, empoleiradas numa espécie de sapatos japoneses, feitos de placas de madeira duplamente associadas, umas horizontais como solas, outras verticais que isolam dos humores infectos, passam a salmodiar litanias absurdas cuja virtude as não impede, por sua vez, de sucumbir no braseiro. Estes médicos ignaros mais não revelam do que o seu medo e infantilidade.

A escória da população, ao que parece imunizada pelo seu cúpido frenesi, entra nas casas abertas e deita a mão às riquezas que sabe inúteis para quem as tiver. E só então o teatro se instala. O teatro, quer dizer, o imediato gratuito que incita a atos inúteis e, nesse instante, sem proveito.

Os últimos vivos exasperam-se, o filho até então submisso e virtuoso mata o pai; o casto sodomiza o próximo. O luxurioso torna-se puro. O avarento atira ouro às mãos cheias pela janela. O herói guerreiro incendeia a cidade que outrora salvou com sacrifício. O elegante aperalta-se e vai passear no açougue. Nem a ideia de uma ausência de sanções, nem de uma morte próxima, basta para motivar atos de tão absurdo gratuito entre pessoas que julgavam a morte incapaz de pôr fim fosse ao que fosse. E como explicar esta subida de febre erótica nos pestíferos curados que, em vez de fugirem, ali ficam e procuram arrancar uma condenável volúpia a moribundas ou mesmo a mortas semi-esmagadas pelo montão de cadáveres onde o acaso as aninhou?

Porém, se este gratuito frenético precisa de um flagelo maior para surgir., e esse flagelo se chama peste, talvez pudéssemos investigar quanto vale este gratuito em relação à nossa personalidade total. O estado do pestífero que morre sem destruição de matéria, trazendo em si todos os estigmas de um mal absoluto e quase abstrato, é idêntico ao estado do ator a quem os sentimentos sondam integralmente e perturbam sem proveito para a realidade. No aspecto físico do ator, como no do empestado, tudo mostra que a vida reagiu em paroxismo e, no entanto, nada aconteceu.

Entre o empestado a correr aos gritos no encalço das suas imagens, e o ator no encalço da sua sensibilidade; entre o ser vivo composto pelas personagens que, sem isto, ele jamais teria pensado imaginar, que constrói no meio de um público de cadáveres e alienados delirantes, e o poeta que inventa intempestivamente personagens e as entrega a um público de igual modo inerte ou delirante, há outras analogias que apenas dão notícia das verdades que contam e levam a ação do teatro, tal como a da peste, ao plano de uma verdadeira epidemia.

Ali, onde as imagens da peste, relacionadas com um poderoso estado de desorganização física, são como os derradeiros foguetes de uma força espiritual que se esgota, as imagens da poesia no teatro são uma força espiritual que inicia a trajetória no sensível e despreza a realidade. Uma vez lançado na sua fúria, para não cometer um crime o ator precisa de infinitamente mais virtude do que o assassino coragem para conseguir executar o seu; e. neste ponto, pelo seu gratuito é que a ação de um sentimento no teatro surge como qualquer coisa infinitamente mais válida do que um sentimento realizado.

Perante o furor do assassino que se esgota, o do ator trágico mantém-se num círculo puro e fechado. O furor do assassino consuma um ato, descarrega-se e perde o contacto com a força que o inspira, mas não voltará a alimentá-lo. O do ator toma uma forma que se vai negando ao libertar-se, fundir-se na universalidade.

Se realmente quisermos admitir agora esta imagem espiritual da peste, teremos de considerar os humores perturbados do pestoso como a face solidificada e material de uma desordem que, noutros planos, equivale aos conflitos, às lutas, aos cataclismos e às derrocadas que os acontecimentos nos trazem. E tal como não é impossível que o desespero inutilizado, e os gritos de um alienado num asilo, sejam causa de peste, também pode admitir-se muito bem que através de uma espécie de reversibilidade de sentimentos e de imagens os acontecimentos exteriores, os conflitos políticos, os cataclismos naturais, a ordem da revolução e a desordem da guerra, ao passarem ao plano do teatro se descarreguem, com a força de uma epidemia, na sensibilidade de quem os contempla.

Na Cidade de Deus, Santo Agostinho acusa esta semelhança de ação entre a peste que mata sem destruir órgãos e o teatro que provoca no espírito, sem matar, e não só de um indivíduo mas de um povo, as mais misteriosas alterações.

"Vós, que o ignorais, sabei - diz ele - que estes jogos cênicos, espetáculos de infâmias, não foram criados em Roma pelos vícios dos homens, mas por ordem dos vossos deuses. Mais razoável seria render divinas homenagens a Cipião do que a tais deuses; claro está que não valem o seu pontífice!...

Para acalmar a peste que mata os corpos, os vossos deuses reclamam que em sua honra se organizem estes jogos cênicos, mas o vosso pontífice opõe-se à construção do próprio palco porque quer evitar esta peste que corrompe as almas. Se ainda vos resta algum lampejo de inteligência que faça preferir a alma ao corpo, escolhei quem merece as vossas adorações: porque ao prever que o contágio iria acabar entre os corpos, a manha dos Maus Espíritos aproveitou alegremente esta ocasião para introduzir um flagelo muito mais perigoso, pois tanto ataca os corpos como os costumes. Com efeito, a cegueira é tal, a corrupção que os espectáculos provocam na alma é tal, que os dominados por esta paixão funesta, fugidos do saque de Roma e refugiados em Cartago, nos últimos tempos passavam no teatro o dia inteiro, delirando à porfia com os histriões."

Dar as razões precisas deste delírio comunicativo, é inútil. Mais valeria procurar as razões que levam o organismo nervoso a casar-se com as vibrações das músicas mais sutís até extrair delas uma espécie de perdurável modificação. Antes de mais, importa admitir que o jogo teatral, como a peste, seja um delírio e comunicativo.

O espírito acredita no que vê e faz aquilo em que acredita: é o segredo da fascinação. E Santo Agostinho, no seu texto, nem um só instante duvida da realidade desta fascinação.

Entretanto, há condições a reencontrar para fazer nascer no espírito um espectáculo que o fascina: e não se trata apenas de uma questão de arte.

Porque se o teatro é como a peste, não será apenas por atuar sobre importantes coletividades e as perturbar num sentido idêntico. No teatro, como na peste, há qualquer coisa simultaneamente vitoriosa e vingadora. Este incêndio espontâneo, que a peste ateia onde passa, sente-se bem que outra coisa não é além de uma liquidação imensa.

Um desastre social tão completo, uma tal desordem orgânica, esse extravasar de vícios, esta espécie de exorcismo total que pressiona a alma e a põe fora de si, indicam a presença de um estado que por outro lado é uma força extrema e no qual se encontram ao vivo todos os poderes da natureza, no instante em que ela vai consumar qualquer coisa essencial.

A peste apodera-se de imagens que dormem, de uma desordem latente, e leva-as por uma forma inesperada até aos gestos mais extremos; e o teatro, também ele, se apodera de gestos e leva-os a ficar fora de si: tal como a peste, refaz a cadeia entre o que é e o que não é, entre a virtualidade do possível e o que existe na natureza materializada. Recupera a noção das figuras e dos símbolos-tipos que atuam como golpes de silêncios, suspensões, calafrios, chamadas de humor, impulsos inflamatórios de imagens nas nossas cabeças bruscamente acordadas; todos os conflitos que dormem em nós ele nos restitui com as suas forças, e a estas forças põe nomes que saudamos como símbolos: e à nossa frente dá-se então uma batalha de símbolos projetados uns contra os outros, num impossível bater de pés; porque aí só pode haver teatro a partir do momento em que o impossível realmente começa e a poesia, que se desenrola na cena, alimenta e sobreaquece símbolos realizados.

Estes símbolos, que são o sinal de forças maduras mas até então mantidas escravas e inutilizáveis na realidade, rebentam sob a forma de imagens incríveis que conferem direito de cidadania e de existência a atos hostis por natureza à vida das sociedades.

Uma verdadeira peça de teatro perturba o repouso dos sentidos, libera o inconsciente comprimido, impele a uma revolta virtual que só pode, aliás, alcançar todo o seu preço permanecendo virtual; impõe às coletividades reunidas uma atitude heróica e difícil.

Assim é, para nossa estupefação maior, e mal o pano sobe, que vemos na Annabella de Ford uma criatura impelida a reivindicação insolente de incesto e que sustenta, com o vigor máximo de um ser consciente e jovem, o propósito de proclamá-lo e justificá-lo.

Nem por um instante oscila, nem um minuto hesita; e assim mostra como contam muito pouco todas as barreiras que pudessem levantar-lhe. É criminoso com heroísmo, é heróico com audácia e ostentação. Tudo o arrasta nesse sentido e o exalta, para ele não há terra nem céu mas a força da sua paixão convulsiva a que não deixa de responder uma paixão rebelde também, e de igual forma muito heróica de Annabella.

"Não choro com remorso, diz ela, mas com medo de não poder saciar a minha paixão." Ambos são falsários, hipócritas, mentirosos para bem da sua paixão sobre-humana que as leis estorvam e maltratam mas que eles vão colocar acima das leis.

Vingança por vingança e crime por crime. Quando os julgamos ameaçados, encurralados, perdidos, e quando estamos prestes a lamentá-los como vítimas, revelam-se prontos a devolver tudo ao destino, ameaça por ameaça e golpe por golpe.

Com eles andamos de excesso em excesso e reivindicação em reivindicação. Annabella é presa, acusada de adultério, incesto, espezinhada, insultada, arrastada pelos cabelos, e é grande o nosso espanto quando vemos que ainda provoca o carrasco e canta com uma espécie de heroísmo obstinado, em vez de tentar uma fuga. É o absoluto da revolta, é o amor sem tréguas e exemplar que nos faz a nós, espectadores, ofegar de angústia à ideia de que nada irá alguma vez detê-la.

Se, procurarmos um exemplo de liberdade absoluta na revolta, a Anabella de Ford oferece-nos esse poético exemplo associado à imagem do perigo absoluto.

E quando nos julgamos chegados ao paroxismo do horror, do sangue, das leis achincalhadas, da poesia, enfim, que sacraliza a revolta, somos obrigados a chegar ainda mais longe numa vertigem que nada pode deter.

Mas o fim disto, dizemos nós, é a vingança, é a morte por tanta audácia e também por um irresistível crime.

Pois muito bem, não. E Giovanni, o amante que um grande poeta exaltado inspira através de uma espécie de indescritível e apaixonado crime, vai colocar-se acima da vingança, acima do crime, acima da ameaça, acima do horror por um horror maior que ao mesmo tempo derrota as leis, a moral e quem ousa arvorar-se em justiceiro.

Uma armadilha é sabiamente urdida, encomendado um grande festim onde espadachins e esbirros estarão escondidos entre os convivas e prestes a atirarem-se a eles ao mais pequeno sinal. Este herói encurralado, perdido, que o amor inspira, não vai porém deixar que outros façam justiça a esse mesmo amor.

Quereis o cadáver do meu amor, parece dizer, mas vou ser eu a atirar-vos à cara esse amor, aspergir-vos com o sangue desse amor a cuja altura não sereis capazes de elevar-vos.

E mata a sua amante, e arranca-lhe o coração como se quisesse transformá-lo em repasto no meio de um festim onde os convivas é que talvez esperassem devorá-lo a ele.

E antes de ser executado ainda mata o rival, marido da irmã, que ousou interpor-se entre ele e esse amor, executa-o num derradeiro combate que surge como seu próprio paroxismo de agonia.

Tal como a peste, é pois o teatro um formidável apelo de forças que através do exemplo conduzem o espírito à fonte dos seus conflitos. E o exemplo passional de Ford não passa, sentímo-lo muito bem, do símbolo de um trabalho mais grandioso e absolutamente essencial.

A aterrorizante aparição do Mal, que era oferecida pelos Mistérios de Elêusis na sua forma pura e por completo revelada, responde ao tempo negro de certas tragédias antigas que todo o verdadeiro teatro deve reencontrar.

Se o teatro essencial é como a peste, não será pelo caráter contagioso mas porque é, como a peste, a revelação, o arranque, a projeção para o exterior de um fundo de crueldade latente pelo qual se localizam, num indivíduo ou num povo, todas as possibilidades perversas do espírito.

Tal como a peste é o tempo do mal, o triunfo das forças negras que uma força ainda mais profunda alimenta até à extinção.

Tal como na peste, há nele uma espécie de estranho sol, uma luz de intensidade anormal onde parece que o difícil e mesmo o impossível de repente se fazem nosso elemento normal. Como todo o teatro verdadeiramente válido, a Annabella de Ford fica à luz desse estranho sol. Assemelha-se à liberdade da peste onde o agonizante enche a sua personagem grau a grau, escalão a escalão, onde o vivo a pouco e pouco se faz uma grandiosa e sobretensa criatura.

Pode agora dizer-se que toda a verdadeira liberdade é negra e se confunde, de infalível forma, com a liberdade do sexo; que esta é, também ela, negra sem que saibamos muito bem porquê. Porque o Eros platônico, o sentido genésico e a liberdade de vida há muito desapareceram sob o revestimento sombrio da Libido que identificamos com tudo o que há de mais sujo, abjecto, infame no fato de vivermos, de nos precipitarmos para a vida com um rigor natural e impuro, com uma força sempre renovada.

E assim é que todos os grandes Mitos são negros, e fora de uma atmosfera de carnificina, tortura e sangue derramado não podem imaginar-se todas as magníficas Fábulas que às multidões contam a primeira partilha sexual e a primeira carnificina de essências que aparecem na criação.

Tal como a peste, o teatro é feito à imagem deste massacre, desta essencial separação. Deslinda conflitos, liberta forças, separa possibilidades e, se essas possibilidades e essas forças são negras, a culpa não será da peste ou do teatro mas da vida.

A vida, tal como é e no-la fizeram, não vemos que ofereça muitos temas de exaltação. Dir-se-á que através da peste, e coletivamente, um gigantesco abcesso tão moral como social se esvazia; e, tal como a peste, o teatro é feito para esvaziar coletivamente abcessos.

É provável, como diz Santo Agostinho, que o veneno do teatro lançado no corpo social o desagregue, mas fá-lo à maneira de uma peste, de um flagelo vingador, de uma epidemia salvadora onde as épocas crédulas quiseram ver o dedo de deus mas que não passa da aplicação de uma lei da natureza onde todo o gesto é compensado por um gesto, e toda a ação compensada pela sua reação.

Tal como a peste, o teatro é uma crise, que tem o desenlace na morte ou na cura. E a peste é um mal superior porque é crise completa e depois da qual não resta mais nada do que a morte ou uma extrema purificação. De igual forma, o teatro é um mal porque equilíbrio supremo só alcançável com destruição. Convida o espírito a um delírio que lhe exalta as energias; e, para terminar, podemos ver que a ação do teatro, como a da peste, sob o ponto de vista humano é benéfica porque levando os homens a verem-se como são faz cair a máscara, põe a mentira à mostra, e a baixeza, a hipocrisia; sacode a inércia asfixiante da matéria que tudo ganha até às mais claras certezas dos sentidos; e revelando às coletividades o seu poder sombrio, a sua força oculta, convida-as a assumir perante o destino uma atitude heróica e superior que, sem isso, nunca teriam tido.

E o problema que se põe agora é saber se neste mundo que escorrega, que se suicida sem dar por isso, se encontrará um núcleo de homens capazes de impor esta noção superior do teatro que a todos nós vai restituir o equivalente natural e mágico dos dogmas em que já deixamos de acreditar.

*ARTAUD, Antonin. Eu, Antonin Artaud. Lisboa: Hiena Editora, 1988, p. 23-40.