Mesmo se afastando de forma bastante intensa das concepções Stanislavskianas, Antonin Artaud (1896-1948) também tinha como base de seu pensamento o desejo de atingir os sentidos da platéia tendo a voz como um meio eficaz para que o ator pudesse chegar mais facilmente à alma do espectador. Para isso, ele acreditava que era preciso o abandono da palavra como código fixo. Em seus escritos, Artaud, se referia ao uso da palavra no teatro ora a defendendo, ora a rechaçando, no entanto, o fundamental, em seu ponto de vista, seria o uso da fala e da voz pra fazer com que o espectador se sentisse tocado (VIRMAUX, 1978).
Artaud reconheceu o texto como fonte de estímulos para o trabalho do ator e a partir disso passou a estudar a necessidade de se trabalhar com as metáforas como criação de imagens que qualificariam a palavra. Desse modo ele não condenava o uso da palavra, mas acreditava que a encenação não devesse ser submissa ao que o texto dizia literalmente, nem à mensagem que o autor queria transmitir. Segundo Artaud, a escravização ao autor teria uma carga fúnebre, pois as palavras deixam de pertencer a quem as escreveu quando estão sendo encenadas, as palavras para o ator possuem infinitas possibilidades em seu espírito e não em suas letras (Idem). Para Artaud, o ator, com base no que o texto sugeria, devia, sobretudo, criar, mesmo que para isso fosse preciso destruir o texto em termos de sintaxe.
Ao falar a respeito da linguagem e de como ela deve ser empregada no teatro, Artaud afirma que:
Trata-se de nada menos do que mudar o ponto de partida da criação artística e de alterar as leis habituais do teatro. Trata-se de substituir a linguagem articulada por uma linguagem diferente, cujas possibilidades expressivas equivalerão à linguagem das palavras mas cuja origem será buscada num ponto mais profundo e mais recuado do pensamento (ARTAUD, 1984, p. 140-141).
Artaud buscava através da exploração das sonoridades vocais atingir um nível mais elevado com relação aos significantes da ação cênica, nível este que deveria ir além do significado6. No uso de um texto verbal o ator deveria revelar tudo que houvesse de mais oculto e desconhecido através do som das palavras, podendo até distorcer seus significados em busca de maiores possibilidades de seus significantes (BONFITTO, 2002). Neste sentido, Artaud não apregoava exatamente a rejeição da palavra, mas reivindicava que os encenadores procurassem ter maior liberdade com o texto a partir da exploração do significante e da expressividade para que, desse modo, pudessem ter maiores possibilidades para o trabalho com a palavra. Para Artaud, as palavras deveriam ser “utilizadas num sentido encantatório, verdadeiramente mágico – em função de sua forma, de suas emanações sensíveis, e não mais de seu significado” (ARTAUD, 1964 apud ROUBINE, 1982, p. 60). Nesse sentido, percebe-se que o enfoque de Artaud privilegia, sobretudo, a expressividade, valoriza a forma, a sonoridade das palavras e, diferentemente de Stanislavski, não vincula expressividade ao conteúdo, mas à sensibilização sonora do ouvinte.
Referencial Bibliográfico
Do Ator ao Espectador: A voz que toca
Profª. Dalva Maria Alves Godoy
Daniela Taiz de Souza
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: M. Limonad, 1984.
BERRY, Cicely. La voz y el actor. Adaptação de Vicente Fontes. Barcelona: Alba Editorial, 2006.
BONFITTO, Matteo. O Ator Compositor. São Paulo: Perspectiva, 2002.
GAYOTTO, Lucia Helena. Voz-Partitura da ação. São Paulo: Summus, 1997.
GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1992.
KNÉBEL, Maria Ósipovna. La Palabra en la Creación Actoral. Madrid: Editorial Fundamentos, 1998.
MARTINS, Janaína Träsel. A integração corpo-voz na arte do ator: a função da voz na cena, a preparação vocal orgânico, o processo de criação vocal. Dissertação de Mestrado, não publicada, Curso de Pós-Graduação em Teatro, Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC/Ceart, 2004.
ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral 1880-1980. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 24ª edição. São Paulo: Cultrix, 2002.
STANISLAVSKI, Constantin. A Construção da Personagem. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
______. A Preparação do Ator. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
______. Manual do Ator. São Paulo: Martins Fontes, 1989. VIRMAUX, Alain. Artaud e o Teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
VIRMAUX, Alain. Artaud e o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1978
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