quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Strindberg

Johan August Strindberg (Estocolmo, 22 de janeiro de 1849 — Estocolmo, 14 de maio de 1912) foi um dramaturgo, romancista, ensaísta e contista sueco.
É autor, entre outros, de O Pelicano. Figura ao lado de Henrik Ibsen, Søren Kierkegaard e Hans Christian Andersen como os maiores escritores escandinavos. É um dos pais do teatro moderno. Seus trabalhos são classificados como pertencentes os movimentos literários Naturalismo e Expressionismo.
Frequentou a Universidade de Uppsala, tendo-a abandonado para trabalhar como jornalista e actor, até que ingressou na Biblioteca Real (1874) o que lhe permitiu assegurar o seu futuro económico. As suas primeiras peças teatrais denotam influências de Ibsen e Kierkegaard, e aí transparece uma personalidade amarga e torturada: O Livre Pensador (1869), Hermion (1869), O Professor Olof (1872), A Viagem de Pedro Afortunado (1882) e A Mulher do Cavaleiro Bent (1882).
O fracasso do seu primeiro matrimónio com Siri von Essen (1877-1891) deu à sua obra um tom misógino, que está patente em especial nos contos de Esposos (1884) e nos dramas de carácter naturalista Camaradas (1897), O Pai (1887) e A Menina Júlia (1888), a sua obra mais importante.

·         1872 - Mestre Olof
·         1887 - O pai
·         1888 - Senhorita Júlia / A Menina Júlia
·         1898 - O Caminho de Damasco
·         1899 - Gustavo-Adolfo
·         1900 - A dança da morte
·         1901 - O sonho
·         1901 - Carlos XII
·         1903 - Cristina
·         1903 - Gustavo III

·         1879 - O Quarto Vermelho
·         1884 - Casados
·         1887 - Gente de Hemsö (Hemsöborna)
·         1897 - Inferno
·         1903 – Sozinho





Tempestade, A Casa Queimada, Menina Júlia
 A edição de Strindberg é, entre nós, sobretudo – mas, infelizmente, não só – no que diz respeito ao teatro, motivo de vergonha, ou deveria ser. O histórico das suas obras publicadas em Portugal é ínfimo. Data, por exemplo, de 1963 este volume, que recolhe três peças do autor: Tempestade, A Casa Queimada, Menina Júlia, em tradução de Ana Maria Patacho e Fernando Midões. Verdade que esta última obra foi alvo de uma (uma só, que eu saiba) edição posterior, ainda assim, no longínquo ano de 1980 (em tradução de Osório Mateus), por iniciativa da saudosa Regra do Jogo. Mais do que – como sói dizer-se – uma lacuna, trata-se de pura idiotia das entidades incompetentes. O sueco é um dos maiores dramaturgos de sempre, um prolífico ficcionista, um ensaísta invulgarmente dotado, um nome determinante na definição do que quer que seja a modernidade.
 Em 1907, Strindberg escreveu para o seu Teatro Íntimo as peças a que atribuiu a designação «de câmara»: A Tempestade, A Casa Queimada (duas das peças aqui reunidas), O Pelicano (publicada, entre nós, autonomamente, em 1993), A Sonata dos Espectros, que foi traduzida e publicada em 1986, por iniciativa do Teatro da Cornucópia, em versão de José Camões. Por mais valor que atribua a Menina Júlia – e isso será o mesmo, valha o símile, que valorizar o tecto da Capela Sistina… –, não posso deixar de lamentar que, em vez dessa peça, não estejam aqui O Pelicano (que temos de ler apenas por si só) e A Sonata dos Espectros. Não há, obviamente, poder-se-á objectar, qualquer relação temática ou de personagens entre as peças – nada há aqui que pudéssemos conhecer como um ciclo, ou uma tetralogia, à maneira grega –, mas há todo um contorno intimista e concentracionário, além de recorrências e motivos estéticos, que passam pela presença marcada de um elemento de ligação ao passado (através do regresso de uma personagem ausente, por via de uma memória, um reencontro fortuito, etc.); o peso da lembrança; a solidão do ser perante a ausência e/ou a presença de quem o rodeie, isto é, o drama do ser humano moderno; a linguagem, a cruzar naturalismo e expressionismo, de um modo tão peculiar.
Tempestade apresenta o drama familiar – ponto de união entre as peças de câmara de Strindberg – do Senhor, o qual, perante a desventura passada, ergue a frágil represa da velhice, para travar a corrente imparável da sua solidão – «Nós, os velhos, amamos o crepúsculo, ele esconde os nossos defeitos, e os dos outros…» (p.36) Só, imune ao veneno adocicado do sentimento, o velho senhor recrudesce em procurada algidez – «renunciei há muito tempo, e sinto-me tão feliz com a minha solidão…» (p.83), para sobreviver ao divórcio com Gerda, a mulher, que dele se divorciou, situação que desemboca na cena a que o leitor assiste. Visita permanente é o irmão do Senhor, cônsul de profissão; ligação à vida são Luísa, parente afastada e sua assalariada doméstica, e o telefone, que entrecorta determinadas cenas, a lembrar o mundo que vive, para lá das paredes encenadas. É particularmente frutífera a arquitectura cénica da peça: o andar superior à casa das nossas personagens ferve de movimento, oscila, de ruído: agitação que fortemente contrasta com a quietude dos domínios do Senhor. Desde os alvores da peça que se parece adivinhar a tragédia, a contida desgraça que se abaterá sobre as personagens – «Pois bem… não sei porquê, aqueles quatro estores vermelhos fazem-me pensar num pano de teatro, atrás do qual se ensaiassem dramas sangrentos.» (p.24) É lá que se revelará estar, juntamente com o novo marido, a ex-mulher, Gerda, que regressa, volvidos cinco anos, como que a comprovar a existência de um mundo, que, mesmo sem ela, continua a sua inútil marcha, os seus infrutíferos passos sobre pedras que se gastam. Há um misto de involuntária crueldade, neste regresso, uma inocência que busca liames com um passado que jaz enterrado sob ressentimento e rotina. «As tragédias», dizia Strindberg, «não são muito divertidas». A filha do casal desavindo acaba por fugir com um aventureiro de ocasião, mas acaba por ser resgatada pela mãe, que se exila, com a jovem, longe dos locais danados pela memória, pela vida. Tudo volta ao seu ritmo, todo o vazio se instala, em lugar da excepcionalidade que que revestiu todos os eventos – «Feche as janelas, e tire os cortinados; $que as recordações durmam em paz. Com o Outono, renuncio à casa do silêncio.» (p.106) Toda a peça é coberta pela ameaça de uma tempestade, que, na verdade, nunca eclode, uma proximidade de descarga eléctrica que libertasse a tensão abafada de um Estio anormalmente quente, aplacado, por fim, pela placidez do Outono, que lhe sucede e tudo cala.
 A Casa Queimada estrutura-se em torno do acontecimento para que se aponta desde o título. As primeiras falas da peça descerram o corpo doente que é a comunidade que rodeia aquele fogo extinto – «O POLÍCIA: Como chamam a este bairro? / O PEDREIRO: Chamamos-lhe o Lodaçal; aqui todos se odeiam, se caluniam, se perseguem e desconfiam uns dos outros.» (p.110) A casa queimada do título, propriedade do Tintureiro, impelirá os movimentos das personagens, de certo modo movidas pelo desiderato do senso comum – «O que se esconde sob a neve reaparece com o degelo.» (p.128) Tal como na primeira peça da recolha, é, aqui, um regressado estranho (no que nos parece ver um eco de um recurso pregnante de efeitos já entre os Gregos) quem, por um lado, desfaz a deteriorada solidez da comunidade e, por outro, é coadjuvante, no prosseguir do enredo. «O TINTUREIRO: Quer dizer que não estás morto? / O ESTRANHO: Sim, de certo modo. Volto depois de trinta anos. Alguma coisa me chamava aqui. Tinha de voltar a casa da nossa infância.» Para que volta o irmão do Tintureiro? Para se vingar da família – «A minha família? Nunca me senti aparentado com vocês, nunca acalentei nenhum sentimento pelos outros homens nem por mim mesmo» (p.146) –, diria eu, para se desforrar do passado – «Infelizmente, tenho uma excelente memória!» (p.162) – com a faca romba da verdade desconhecida – «a nossa família, tão respeitável, que gozava de uma consideração tão unânime, não passava de uma família de patifes enriquecida pelo contrabando» (p.139). O Estranho regressa, em suma, para anunciar a desgraça: a apólice do seguro, que garantiria a prosperidade do seu irmão, revela-se inválida, por um pormenor burocrático: assim o relata, com a frialdade de uma espada justiceira, o Estranho, que se retira, cumprido o seu fado. Espécie de fantasma – «Enforquei-me no cubículo. (…) Tinha doze anos e estava cansado de viver! Parecia-me que entrava numa noite imensa…» (p.143) –, assombração carnal – «Sim, atravessei o rio da morte, mas não me lembro nada… ou apenas que lá em baixo as coisas eram realmente o que pareciam ser. É esta a diferença.» (p.185) –, o Estranho deixa em seu torno a calamidade, a paga por uma vida aprazada, pela morte vivida que a instituição familiar lhe legara. É quase impossível não ver aqui um alter-ego do autor, príncipe do ressentimento, combatente impenitente contra a arbitrariedade das instituições matriciais: casamento, família, igreja.
 A Menina Júlia é, talvez, uma das peças mais famosas de Strindberg, a única que mereceu dos nossos editores o inaudito favor de duas traduções (se descontarmos A Viagem de Pedro, o Afortunado). É o drama da filha de um aristocrata, deformada, na sua psique, na sua armadura sentimental, uma cota bem frágil, em verdade, por uma moral cediça e decadente. Instável, neurótica, histérica, Júlia é o resultado de uma abordagem expressionista (em que o naturalismo das falas e mesmo dos motivos e das tensões emocionais é, todavia, força indesmentível), de contornos excessivos e convulsos, da mulher dramática, retirada da carne palpitante da vida e levada para o palco despido, ardente. Lemos no prefácio (e se havia alguém que os poderia escrever!), do próprio Strindberg: «Dei várias explicações para o triste destino da Menina Júlia: os instintos profundos da mãe; a educação errada lhe deu o pai; a sua própria natureza e a força sugestionadora exercida pelo noivo num cérebro fraco e degenerado» (p.200).
No castelo do conde seu pai, Júlia tem como única companhia João, o mordomo, e a cozinheira, Cristina. Mais do que um triângulo amoroso, o que há traduz-se em duas aproximações: a real, terrestre, prevista – entre João e Cristina, por assim dizer, noivos (os próprios sentem dificuldade em assumir-se) –; outra, hipnótica, desequilibrada, sonâmbula, esboroada, como a mente da Menina Júlia, em cujos estilhaços rebentam os fogos que estalam na peça – entre patroa e servo. Desfeito o seu noivado, a filha do conde, que sempre apresentara sinais de um comportamento alienado, torna-se francamente instável, nas suas atitudes; age como em sonho, obedecendo a uma lógica que desafia toda a razão e instaura mecanismos alternativos a toda a coerência. Como todos os que não sabem o seu lugar – abaixo ou acima de qualquer limite social ou de qualquer outra instância de poder –, «A Menina é demasiado pedante em certos casos e pouco altiva noutros, tal como a Senhora Condessa quando era viva. Adorava estar na cavalariça, mas nunca saía numa carruagem puxada por um só cavalo; trazia os punhos da blusa sujos, mas exigia o brasão nos botões.» (p.224) Esta inconstância de si própria em vibração, retomando as palavras de Sá-Carneiro, é que a há-de transpor às zonas intermédias. Quando, por exemplo, num jogo de sedução, que oscila entre a crueldade e a mais sensual estupidez, Júlia enleia João – nunca sabemos se deliberadamente se por acidente –, dá passos irremediáveis, que a condenam, e à sua posição de suserana. Também ele uma presa do mecanismo social, da luta eterna, «escravo» (na terminologia Strindbergiana), ou não, o mordomo revelará a sua mesquinhez, a sua pequena humanidade, o pior que o homem tem. Planos de fuga, juras de amor, retórica flamejante – «são sempre os belos discursos que seduzem as mulheres» (p.265) –, tudo cede, se esboroa e morre, perante dois focos: a perfídia do servo, preso à mó do seu destino, cativo da sua própria pequenez; o regresso do conde, perante o qual a espinha de João se curva (nas suas palavras) e o próprio treme. Resta um abandono, um estado de sono em vigília, antecâmara da morte, para a qual as últimas instâncias da peça parecem encaminhar Júlia, que se submete, às palavras segredadas de João, como se «no teatro, o hipnotizador» (p.309) a retivesse sob o seu encanto.



  • The Father, Countess Julie, The Outlaw, The Stronger




  • Comrades, Facing Death, Pariah, Easter




  • Swanwhite, Advent, The Storm




  • There are Crimes and Crimes, Miss Julia, The Stronger, Creditors, and Pariah




  • To Damascus Part 1




  • Road To Damascus Parts 1, 2, and 3





  • Strindberg Museu Estocolmo




  • Projeto Gutenberg - Obras de August Strindberg




  • (em inglês) Strindberg Museu




  • (em alemão) Strindberg em Áustria




  • Strindberg & Helium, paródia multimídia de Inferno de Strindberg.
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