Ator, poeta e autor dramático, pertence desde 1979 ao coletivo da "comuna", grupo para o qual escreveu os textos Amadis e Touro. Para Carlos Porto (cf. contracapa de Anákis, Lisboa, 1986), é "na palavra, na plena, quase obsessiva presença da palavra que o seu discurso teatral se transforma em corpo e vida, hesitante ainda como uma forma que se procura".
Abel Neves. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011



Sem luxos, vive da escrita mas não é compulsiva "É a minha vida". Mas não é compulsivo. Gosta de descobrir as palavras certas devagar, sem pressas, saboreando. Revê e rescreve imenso, num trabalho de composição onde se detém horas sem fim. Não gosta de trabalhar em mais do que uma coisa ao mesmo tempo. E, apesar de não ser fácil, tem tido sempre o que escrever. "Nunca estou parado. Se não tenho nenhum projecto teatral entre mãos, viro-me para os meus romances ", refere. No momento em que acaba um texto e ainda não começou outro, sente-se "a atravessar os anéis de Saturno". É sobretudo um período de procura. Precisa de descobrir se aquele tema vai, de facto, preencher a sua vida. Só assim valerá a pena.

Queria pedir-lhe um autógrafo. "Nunca mais me esqueci do que me disse, olhando alternadamente para mim e para o livro: Quem é que te mandou cá, rapaz?". "Ninguém". Gostava muito do autor e só queria uma dedicatória. Ficou algo desiludido quando este apenas assinou o seu nome.
Acabado o liceu, escolheu seguir Filosofia, na Faculdade de Letras. E, quase no fim do curso, desistiu para se dedicar ao teatro. Apresentou um texto (O Elogio do Dia) a João Mota, que não conhecia. O actor e encenador gostou do que leu e apostou no rapaz de 22 anos. "Foi muito estimulante esse tempo na Comuna", recorda Abel Neves. Nos 12 anos que esteve na companhia, de 1979 a 1991, fez de tudo. Foi actor, fez dramaturgias, ajudou nas luzes, mudou as tábuas do palco. "O teatro é uma casa e quem lá está dentro deve participar em todos os aspectos da vida daquele lugar", reflecte. Saiu quando se "esgotou" o tempo da sua passagem por ali. Não voltou a trabalhar em exclusivo com nenhuma companhia, embora tenha colaborações regulares com algumas, como o Teatro da Serra de Montemuro, que acompanhou desde o início.
Entretanto deu algumas aulas, foi escrevendo mais peças, entre as quais Touro, Terra, Amo-te e Jardim Suspenso (pela qual recebeu o Prémio Luso-Brasileiro de Dramaturgia António José da Silva, e que tem estreia marcada para o TNDMII, a 29 de Abril), e saiu o seu primeiro romance Corações Piegas. Seguiram-se outros como Sentimental, Centauros imagens são enigmas ou Asas para que vos quero. Este último é o único que tem uma personagem inspirada na vida real. A Dona Maria, de Pitões de Júnias, aldeia ao lado de Montalegre, onde Abel Neves tem um abrigo.
Trata-se de um palheiro, sem luz nem água, onde se sente em casa. No entanto, vive em Lisboa. A natureza está muito presente na sua vida e é para ali que vai para "pousar o espírito ". "Não trocaria Pitões por lugar nenhum do mundo. Remeto-me àquelas águas, ao céu, à vegetação, aos animais e àquela gente que me conforta nos dias que vou levando", diz.
Sempre que ruma a Norte de transportes ou à boleia de amigos, uma vez que não tem carro Abel vai também para caminhar. Acompanhou muitas vezes o sr. António (pai da Dona Maria) nas suas idas para os montes com a cabritada, as ovelhas e as vacas. Sempre que saíam, o dramaturgo pegava num pauzinho para o acompanhar no trajecto. Certo dia, o sr. António ofereceu-lhe um bordão "muito bonito, cheio de nós". "Fico com um ar de profeta, de São João Baptista", conta a rir. E o bordão já tem gerado muitas discussões. Cada vez que entra num café, há alguém que afirma que se trata de um pau de marmeleiro, outros acham que é de escalheiro (pereira brava). Ali se fica um tempo bom, sem fim, a debater a questão. O escalheiro vai à frente.
Neste momento Abel Neves está a trabalhar numa peça Clube dos Pessimistas para o Teatroesfera que tem que entregar até princípio de Março. Depois sairão na Sextante duas das suas novelas, Felizes e Aliança, a que ainda se poderá juntar uma terceira. E já tem alinhavado um romance que interrompeu por causa da peça. "Vale a pena estarmos entusiasmados com aquilo que fazemos", afirma.
E é desse entusiasmo que sente falta quando se fala, "ou não se fala", do acto da escrita para teatro em Portugal. "Quase não há crítica, nem divulgação ou edição. Aqui parece que as instituições têm vergonha dos autores que existem", diz. E não se limita a criticar, tendo mesmo feito planos, orçamentados, de um centro de dramaturgia portuguesa. Todas as instituições a que o propôs (e foram muitas) chumbaram a ideia. "É preciso tornar o teatro vivo, dinamizar encontros, editar os textos.
Não para que se fale deste ou daquele autor, mas das obras que vamos fazendo", diz. E o dramaturgo não desiste: "Gosto de me saber a trabalhar nessa caminhada". A jornada será mais fácil se puder ouvir A Canção da Terra, o seu compositor preferido, Mahler.
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