Em 1960, o polaco Jerzy Grotowski, autor do livro Teatro Laboratório, extremamente
influenciado pela estética do Teatro da Crueldade, de Artaud, estabeleceu uma
relação diferente entre ator e espectador. Para Grotowski, o ator não deve ter
no palco elementos que distraiam a atenção do espectador, senão seu próprio
corpo, ou seja, as apresentações são feitas junto ao público, sem palco, sem
iluminação, cenários, tampouco texto. Para o dramaturgo, “o teatro é o encontro
do espectador com o ator”, de forma que isso justificava a invasão do ator para
dentro do espaço reservado à platéia, fazendo do público, uma peça chave para os
dramas encenados. Para essa concepção, foi dado o nome de Teatro Pobre, pois não
se explora outra coisa a não ser a interpretação do ator, única e
exclusivamente, sem artifícios maiores, apenas o ator e sua carga
dramática.
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Jersy
Grotowski |
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A ideia de
Grotowski de fazer um teatro que refletisse um pouco o mundo contemporâneo, rapidamente ganhou vários sectários que continuaram a desenvolver a técnica dopolaco. O mais conhecido deles é o inglês Peter Brook, que procurou estreitar
os laços entre o teatro e a vida, colocando a arte como fator essencial para o
convívio humano. Assim como o mestre Grotowski, os seguidores do Teatro Pobre
procuraram trabalhar a expressão corporal do atores ao invés de utilizar textos,
eliminando todos os componentes tradicionais do teatro como a iluminação, o
palco e o figurino. O Teatro Pobre configurou-se na reinvenção do teatro, pois
propôs uma concepção trabalhada conjuntamente, com detalhes simples compondo a
roupagem dos personagens, além de romper com a barreira do proscênio para ir
aonde o público estava, atuando tanto no teatro quanto nas praças públicas.
Com a política económica em alta no Estados Unidos após a crise da
Segunda Grande Guerra, o teatro tornou-se uma maneira de enriquecimento, de
negócio que, junto com o esmero e o aperfeiçoamento das técnicas de composição
de luz e som, se manifestou como Show Business, sofrendo sérias críticas
daqueles que eram contra o comércio da arte representado pela Broadway. Assim,
grupos de teatro sentiram a necessidade de correr para espaços alternativos,
fugindo da Indústria Cultural, o que hoje em dia está cada vez mais difícil por
causa comercialização das grandes produções, que praticamente monopolizam o
cenário “artístico” nos Estados Unidos e no mundo. A reviravolta econômica e
esse panorama artístico no mundo comprovaram as previsões de Walter Benjamin.
Os espaços alternativos normalmente estão espalhados pela periferia das
cidades mais populosas do mundo. Pegando Nova Iorque como exemplo, as companhias
tradicionais, como o Open Theater (1963), incentivaram experiências
contemporâneas, trabalhando uma realidade nua e crua, buscando essencialmente o
ritual oriundo das produções arcaicas teatrais que deram origem à arte cênica.
Diretores como Enrique Vargas e Gerald Thomas hoje alimentam a periferia da
cidade de Nova Iorque com o teatro contemporâneo filosófico que, por puro
preconceito ainda é muito descriminado pela sociedade, que não permite a
inovação, o inusitado naquilo que considera tradicional e já experimentado.
Sobre Artaud, Grotowski diz, parafraseando a crítica teatral: “Artaud
é um profeta do teatro, seu Teatro da Crueldade foi muito importante para o
questionamento do verbalismo no teatro francês”. Isso demonstra a
credibilidade desse que, em vida não provou muito do que propôs, mas que semeou
um campo virgem de novas concepções teatrais inspirando muitos que seguiram o
caminho das múltiplas tendências do teatro contemporâneo. No Royal Shakespeare
Company de Londres, Peter Brook e Charles Marowite promoveram a filosofia
artaudiana em diversas montagens que se propuseram a renovar o espírito da
Crueldade, além de comprovar os fatos divulgados pela mente genial de Artaud.
Assim, foi montada, entre outras, a peça A Dança do Sargento, que apesar
de criticar a velha técnica artaudiana em alguns aspectos, apresentava um pouco
da magia da Crueldade.
Muitos dramaturgos contemporâneos rechaçam a técnica
artaudiana, mas reconhecem que ela foi essencial para a quebra com o
naturalismo. Seguidores das concepções cênicas de Brecht constituíram uma nova
forma de elaborar o teatro contemporâneo, em uma técnica que apresentava
contextos poéticos, com grande esmero por parte dos pesquisadores, com a
proposta quase exclusiva de informar, passar uma mensagem empírica a respeito de
acontecimentos fundamentados em questões históricas. Essa técnica ganhou o nome
de Teatro-Documento, que tinha no dramaturgo inglês Peter Weiss, autor de
Marat-Sade, seu principal representante. Weiss tornou-se um homem
preocupado com a questão social e política de sua época, apresentando seus
espetáculos baseados em fatos verídicos, com datas e ocorrências que marcaram
época e que foram registrados em seus textos para o bom uso da posteridade.
A proposta de um novo paradigma teatral trouxe a possibilidade da
democrática abertura do saber filosófico para diversos grupos de teatro do mundo
inteiro. Isso culminou numa série de vertentes que buscaram seguir um idealismo
peculiar de cada encenador ou grupo teatral. Grotowski, satisfeito com a
possibilidade de ver uma amplidão no mundo no que se refere às teorias teatrais,
esclareceu que seu trabalho não mais surpreendia nem chocava, pois o modismo
estava com os dias contados. De certa forma essa profecia do mestre polonês se
realizou, pois no mundo globalizado, a diversidade aumentou demasiadamente o que
permitiu a opção por diversas formas de se fazer teatro. Assim, uma vertente
hoje em dia pode até não agradar, mas não choca a sociedade da mesma forma que
as novas tendências do teatro contemporâneo chocaram os tradicionalistas na
segunda metade do século XX.
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Teatro de rua
(happening) |
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Diversas
propostas teatrais hoje concentram-se na filosofia da quebra com o teatro
tradicional. O happening, o teatro de rua, onde o espectador se confunde com o
atuante, interpretando a si próprio e sua realidade, propõe um jogo, uma
situação que busque a relação mais próxima do espectador com quem atua, partindo
do pressuposto de que todos são iguais dentro do jogo da vida. Essa proposta
culminou nas teorias de Jean Jacques Lebel e Augusto Boal (1931 - ), dois
pontífices da democratização da arte, do contato entre o teatro e sua maior
inspiração, que são as situações casuais da vida real. Dentro desse contexto
brilhante, Boal proclama em seu livro Jogos para atores e não atores:
“todo mundo age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores! Teatro
é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de
um elevador, em frente a um espelho, no Maracanã ou em praça pública para
milhares de espectadores. Em qualquer lugar... até mesmo dentro dos
teatros.” Maria José Rangué, sobre a cultura norte americana, afirmou:
“Somos todos atores, pois tudo é real e ninguém é espectador”.
Muda-se o tempo, muda-se a mentalidade. Cresce o poder crítico em
relação ao teatro e sua gente, entre a cultura e aqueles que a produzem. Cresce
o poder crítico da cultura como um elemento de crucial representação dos ritos e
costumes de uma sociedade, assim como da civilização, que constitui um grande
objeto de estudo antropológico e sociológico. Assim, o teatro passa a ser
utilizado para fins como o manifesto, o debate de idéias, a reflexão e a
imediata compilação de idéias, elaborado de forma mais democrática que os meios
tradicionalmente conhecidos, por se estabelecerem onde o público está e não ao
contrário. Isso se chama Revolução Cultural, onde, as realizações de uma
sociedade, se converte em arte. O happening é um meio de comunicação fantástico,
pois canaliza as informações de maneira bem contundente, objetivando setores da
sociedade, podendo-se elaborar formas de abordagem dentro de qualquer contexto,
dentro de qualquer assunto (seja na penitenciária, no orfanato, no asilo, no
manicômio, etc.).
Além de poder desenvolver temáticas que representem vários
grupos da sociedade, a compreensão de teatro, como difusão da realidade, faz com
que os fatos ocorrentes na vida real sejam encarados como fenômenos
para-teatrais. Assim, pode-se considerar como arte todo e qualquer movimento da
sociedade, como, por exemplo, um homem barbeando-se no espelho de manhã e uma
babá limpando uma criança num berçário. Fatos da vida que se revelam fontes de
inspiração por serem mais artístico do que a própria arte em si. E o que será
que inspirou a vida? Pergunta difícil de se responder, porém um bom tema a ser
abordado pelos teatrólogos “pós contemporâneos”...
O Parateatro, segundo
os filósofos contemporâneos significa a simulação da vida, de forma que esse
gênero artístico é muito utilizado em protestos, onde há uma retratação da
realidade por meios interpretativos, em prol da verificação da verdade. Por
exemplo: um grupo de pessoas simulando a morte de um grupo de baleias, um homem
que anda nu nas ruas de Londres no frio gélido, um homem rico que se veste de
mendigo para pedir esmolas, uma criança que solta uma pomba branca em prol da
paz no mundo, etc. São atos solenes ou tempestuosos que tenham uma
representatividade dentro da sociedade e que, logo se tornam teatrais. O teatro
como cerimônia trabalhado no ocidente foi útil para a compreensão da arte
oriental, que se manifesta em respeito aos milenares hábitos culturais de seus
povos, ou seja, “o teatro como representação de sua gente”.
Augusto Boal,
diretor de centros de teatro no Rio de Janeiro e em Paris, autor de diversos
livros sobre o tema (todos traduzidos para vinte e cinco línguas com grande
notoriedade no mundo), influenciado pelas filosofias contemporâneas que
estreitam os laços da vida real com o teatro, observou com muita propriedade que
todo ser humano é um ator, pois pratica a interpretação espontânea,
interpretando seus personagens em ocasiões distintas, em cenas do dia a dia.
Sempre muito curioso em relação às reações humanas perante à vida, Boal,
que estudou na School of dramatic art da Universidade de Columbia nos Estados
Unidos, propõe o Teatro do Oprimido, uma forma inovadora de se fazer teatro, que
rompe com a estética tradicional e que permite o contato direto do público com
os atores. O Teatro do Oprimido começou a ser difundido por Boal na década de 70
na Europa, por onde esteve exilado durante a ditadura militar, sendo que as suas
primeiras experiências, foi com o chamado Teatro Invisível, que Boal explica em
um de seus livros:
“― ... deve ficar claro: Teatro Invisível é
teatro! Cada peça deve ter um texto escrito, que servirá de base para a parte
chamada fórum (...) os atores devem interpretar seus personagens como se
estivessem em um teatro tradicional, representando para espectadores
tradicionais. No entanto, quando o espetáculo estiver pronto, será representado
em um lugar que não é um teatro e para espectadores que não têm conhecimento de
que são espectadores...”
O Teatro Invisível constitui-se em
representar uma peça teatral nas ruas, junto com as pessoas, sem que essas
saibam que estão participando de uma contexto cênico. Por isso, é invisível,
pois é o teatro que não se vê, mas que se faz presente, e que procura mostrar
que todas as ações quotidianas do ser humano são teatro. Assim, esse gênero
procura introduzir o ator no contexto real, que se configura com personagens da
vida real, que praticam todos os dias o teatro invisível de ir à escola, de
escovar os dentes, de comer um hambúrguer, de brigar com o marido, de correr em
volta de um lago, ou seja, de se fazer teatro! Afinal, a “vida real”
constitui-se de personagens, de contextos, de emoções, de diálogos e de
cenários, o que faz de todo homem um personagem da vida real. Sendo assim,
podendo os atores representarem a realidade, há a possibilidade das pessoas
representarem a ficção, entrando em contato com suas próprias subjetividades.
Boal provou inúmeras vezes a sua teoria de que pessoas comuns podem participar
de um espetáculo cênico, discutindo assim suas questões mais relevantes.
Durante o exílio, Boal incentivou seus grupos teatrais a fazerem encenações
em locais inusitados como o Metrô de Paris. Os temas trabalhados no Teatro
Invisível são levados para onde quer que o público esteja, de forma que todos
podem participar das montagens, podendo inclusive intervir nas cenas, sendo não
mais espectador e sim, como chama Boal, espect-ator. Essa forma de Teatro do
Oprimido chama-se “Teatro Fórum”, que numa proposta conferencista, pretende
expor argumentos e idéias, pontos e contrapontos, vivências e críticas num jogo
dicotômico, que trabalha com o opressor e o oprimido em situações
diversificadas, onde o ator não é uma espécie de semi-deus que se apossa de um
espaço para mostrar a sua arte e sim, mais um ser humano, mais um personagem que
ali, fará parte do jogo, colocando a sua arte à disposição do público que
pretende dar idéias, participar da montagem, contar nas entrelinhas a sua vida e
expor seu ponto de vista. O Teatro Fórum é feito um jogo, onde os atores fazem
uma montagem que tenha um opressor e um oprimido (como por exemplo, um motorista
mal educado e uma velhinha querendo descer do ônibus, ou um senhorio nervoso e
um inquilino sem dinheiro...), sendo que os espect-atores devem substituir os
atores para resolverem o problema existente na cena. Assim, como num processo
terapêutico, os componentes desse jogo podem trabalhar em cima de seus maiores
medos, ansiedades, ódios, amores, indignações, etc.
“O melhor desse
jogo é que ele pode (e deve!) ser feito não só no teatro, mas na rua, no parque,
em escolas, em casa, em diversos locais enfim”, diz Boal à revista Metaxis,
revista do Teatro do Oprimido. Após os atentados de onze de setembro, Augusto
Boal esteve em Nova Iorque e trabalhou com o que chamou de “
pedagogiaAche os cursos e faculdades ideais para você. É
fácil e rápido. do medo” com os traumatizados nova-iorquinos .
“... a verdade é terapêutica: constatei, fazendo Teatro do Oprimido, o
espantoso poder da pedagogiaAche os cursos e faculdades ideais para você. É
fácil e rápido. do medo, pois os jovens aprenderam a ver o mundo além
de suas fronteiras, ao ver que era verdade, sim, que os Estados Unidos salvaram
o mundo do nazismo, mas que, em contra partida, suas agências de espionagem
semearam a morte e a destruição em países na América do Sul e do Centro; na
África, na Ásia e até na Europa. Os jovens buscavam as suas verdadeiras
identidades, escamoteadas pelo mentiroso discurso político patriótico e pela
mídia censurada”.
Hoje, o Teatro do Oprimido tornou-se um conhecimento
básico para todos aqueles que pretendem estudar e ou trabalhar com teatro,
enquanto que Augusto Boal, eleito vereador no Rio de Janeiro em 1993, aprovando
treze leis municipais relativas ao tema, tornou-se um dos maiores especialistas
em teatro no Brasil e no mundo, sendo sua obra mais difundida no exterior do que
em seu país de origem. Após seu mandato de vereador, Boal lançou o livro “Teatro
Legislativo”, que faz referências ao Teatro Fórum, abordando questões políticas
e sociais, para que a sociedade possa, pelo viés do teatro, expor suas críticas,
opiniões e tomar conhecimento de seu poder cívico e assim, à partir da arte e do
convívio com o próximo, ter as chances de colocar em pauta suas questões mais
conflitantes, que muitas vezes são renegadas pelos seus governantes.
Teatralismo - Na década de 90, musicais como Les
misérables, dirigido por Trevor Nunn e John Caird ou Miss Saigon, dirigido
por Nicholas Hytner, ilustravam a tendência ao chamado "teatralismo", a volta à
exploração dos recursos específicos da linguagem de palco - encenações
elaboradas, estilizadas, ricas em efeitos especiais e ilusões teatrais. Isso
acarretou o declínio acelerado das montagens ditas "minimalistas", como algumas
de Bob Wilson, que usavam cenários austeros, guarda-roupa simplificado, o mínimo
de adereços de cena, gestos reduzidos.
BIBLIOGRAFIA
BRECHT,
BERTOLD, Estudos Sobre Teatro. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978
CIVITA, VICTOR, Teatro Vivo, Introdução e História. – São Paulo:
Abril Cultural, 1976
MIRALLES, ALBERTO, Novos Rumos de Teatro. – Rio
de Janeiro: Salvat Editora, 1979
SCHMIDT, MARIO, Nova História Crítica,
Moderna e Contemporânea. – São Paulo: Editora Nova Geração, 1996
BOAL,
AUGUSTO, Teatro Para Atores e Não Atores. – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998
LAFFITTE, SOPHIE, Tchekhov. – Rio de Janeiro: José Olympio
Editora, 1993
ROBERTO FARIA, JOÃO, O Teatro na Estante. – São Paulo:
Ateliê Editorial, 1998
JANVIER, LUDOVIC, Beckett
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